Por thiago.antunes

Rio - Os relâmpagos que anunciavam a chegada da chuva no fim da tarde desta quarta-feira se misturavam às batidas de um berimbau no meio do Cais do Valongo, na Zona Portuária. Era o som que ditava o ritmo da roda de capoeira do grupo Senzala, que repetia em coro: “A vida é que nem maré, tem hora que vai, tem hora que vem”. Eles comemoravam o reconhecimento da arte como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), depois de séculos de marginalização.

A maré nem sempre foi boa para os negros naquela região do porto. No período colonial, ali desembarcavam e eram comercializados milhares de africanos escravizados no Brasil. A partir de agora, o lugar pode virar um símbolo de resistência. “É um trabalho que começou lá atrás, desde quando os negros aqui desembarcaram. É um reconhecimento que a gente recebe e divide com os ancestrais”, disse o mestre Toni Vargas. “Espero que isso abra mais portas para a gente”.

Capoeiristas do Grupo Senzala comemoraram o reconhecimento da Unesco com roda ontem%2C à tardeJoão Laet / Agência O Dia

Filho do mestre Toni, Gabriel Vargas não se intimidava diante dos capoeiristas mais experientes da roda. Aos 15 anos, ele já aprendeu o valor da arte que herdou do pai. “Alguns têm preconceito, acham que é religião. Espero que agora eles abram a mente”, comentou.

Presente na delegação brasileira que defendeu a candidatura da capoeira em na cerimônia da Unesco em Paris, a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Jurema Machado ressaltou a cultura como símbolo na identidade brasileira. “A capoeira expressa a história de resistência negra no Brasil. Esse reconhecimento demarca a conscientização sobre o valor da herança cultural africana, que, no passado, foi discriminada.”
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Quando a equipe de reportagem deixava o local, os capoeiristas se apressaram para guardar seus instrumentos. Começava a cair a chuva que vinha se anunciando junto ao berimbau, e lavou a antiga calçada de pedra do Cais do Valongo.
Título já foi concedido ao samba de roda, frevo e Círio de Nazaré
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A roda de capoeira se junta ao samba de roda do Recôncavo Baiano (BA), à arte kusiwa de pintura corporal, do Amapá, ao frevo, de Pernambuco, e ao Círio de Nazaré, do Pará, já reconhecidos como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. A distinção foi criada em 1997 pela Unesco para a proteção de expressões culturais e as tradições de um povo.
A Roda de Capoeira e o Ofício dos Mestres de Capoeira foram reconhecidos como patrimônio cultural brasileiro pelo Iphan em 2008. Segundo o Instituto, a dança é um dos maiores símbolos da cultura brasileira e é praticada em mais de 160 países, em todos os continentes.
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Até a década de 1930, a prática da capoeira era proibida no Brasil, pois era vista como uma prática violenta, apropriada pelos “malandros” e marginais. Nesta época, um importante capoeirista brasileiro, mestre Bimba, apresentou a luta para o então presidente Getúlio Vargas, que gostou da manifestação e transformou em esporte nacional.
Reportagem de Lucas Gayoso
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