Por bianca.lobianco
Rio - Aos 20 anos, o capixaba Roberto de Souza Silva se reconheceu homossexual. Católico desde criança, procurou uma igreja para se confessar. O padre, então, lhe disse: “Você tem que ser feliz”. Beto, agora com 32 anos, subiu as longas escadarias do Cristo Redentor no último domingo para levar os gêmeos Valentin e Natalie para ser batizados. Os bebês, que completam três meses hoje, são filhos biológicos dele e do paranaense Marco Aurélio Dias, 33, fruto de inseminação artificial feita nos Estados Unidos. É o primeiro casal gay brasileiro a ter filhos gerados em uma mesma barriga de aluguel, com sêmen de ambos os pais.
Bebês foram gerados por barriga de aluguel nos Estados UnidosMaíra Coelho / Agência O Dia

“Fiz primeira comunhão, crisma, ia à missa todos os domingos com a minha avó. Quando me descobri gay e procurei um padre para conversar, ele não me amaldiçoou. Disse que eu tinha que ser feliz. Na Igreja nunca quiseram mudar minha condição. Sempre fui acolhido como eu sou. E queria que fosse assim também com meus filhos. Me senti realizado e agradecido de poder batizá-los”, disse Beto.

Para marcar o batizado, o casal entrou com a papelada em maio, três meses antes de os bebês nascerem. “Procuramos a capela e a senhorinha que nos atendeu por telefone nem demonstrou espanto quando dissemos que as crianças eram filhos de dois pais”, conta Marco, também católico praticante.

Celebrada pelo padre Omar Raposo, pároco do Santuário do Cristo, a cerimônia foi “emocionante”, relatam os pais. Na capela, cabiam apenas 30 convidados. Mas do lado de fora, o padre fez uma pequena procissão e abençoou as crianças. “Os turistas que estavam lá no Cristo acompanharam e aplaudiram também. Foi lindo”, conta Beto. De férias em Portugal, Padre Omar disse que a Igreja recebe de braços abertos, pelo sacramento do batismo, todos os cristãos. “O batismo é para todos. A Igreja não nega o batismo a ninguém. Ao contrário, é mandato de Cristo que todos sejam batizados”, disse.

Aos pés do Cristo Redentor, o batizado foi acompanhado por parentes, amigos e turistasÁlbum de família

Para realizar o sonho de ter filhos, sem passar por adoção, o casal de empresários, que vive no Rio há seis anos foi bem longe. Primeiro a Londres, na Inglaterra, onde buscou uma agência especializada em barrigas de aluguel. A mesma usada por famosos como Ricky Martin, Sarah Jessika Parker e Cristiano Ronaldo. E foi na Califórnia (EUA) que nasceram os gêmeos bivitelinos: o menino, com o gene de um pai; a menina, com o gene do outro. E ambos com óvulos de uma mesma doadora, escolhida “a dedo” pela internet: uma americana de olhos azuis, jovem e saudável.

Pai chegou a engordar dez quilos durante a gravidez 
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A “barriga de aluguel” que carregou os bebês por oito meses — eles nasceram prematuros — era de outra americana já experiente de outra gravidez “locada” de gêmeos. Aos cinco meses, ela assinou um documento, reconhecendo não ter nenhum material genético seu na gestação, liberando os bebês de qualquer obstáculo legal. “Sempre quisemos um casal de crianças e no contrato poderíamos escolher que fosse assim, mas sairia muito mais caro. Então, veio mesmo por sorte”, conta Beto. Ele acompanhou a gravidez de longe, do Brasil. Já Marco sentiu tudo bem de perto. Passou os últimos quatro meses da gestação na Califórnia, cuidando de cada detalhe até o nascimento. Ansioso, chegou a engordar dez quilos.
A volta para casa foi tranquila. Só precisaram esperar um mês e meio antes do voo para o Brasil, por recomendação médica. Antes, porém, tendo em mãos as certidões de nascimento dos filhos como cidadãos americanos — feitas ainda no hospital, em San Diego — passaram pelo Consulado do Brasil em Los Angeles, para tirar as certidões como cidadãos brasileiros. Os documentos trazem Marco e Beto como pais. “A moça que trabalha lá nos disse que era a primeira vez que faziam uma assim”, conta Marco.
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Para eles, é outra vitória o fato de não precisar de uma decisão judicial para ter a paternidade reconhecida. “Em outros casos, o segundo pai aparece como adotivo”, disse Marco.
Nova família: Casal divide tarefas
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Na confortável casa onde vivem, na Zona Oeste do Rio, foi montada uma megaestrutura para receber os bebês, que chegaram no final de outubro, para alegria de familiares e amigos do casal. São duas babás e uma empregada, que dão suporte a Marco, que passa o dia em casa, enquanto Beto trabalha, cuidando das casas de festas infantis que mantêm na cidade.
“Ter um filho é muito difícil. É necessário ficar pelo menos um ano em casa, com as crianças. Não dá para colocar na creche tão bebezinhos ainda”, conta Marco, que trocou a ansiedade do tempo da gravidez pela habilidade no lidar com as crianças. “No início, eu não sabia nem pegar. Mas achei que fosse mais difícil por não ter gerado. Agora sei quando é um choro de manha, quando o bebê acalma”, revela.
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Com a felicidade nos braços, o casal aprende com Natalie e Valentin outra lição. “O amor é incondicional. Depois que se é pai, a gente começa a enxergar a vida de outro jeito e se torna mais responsável pela própria vida porque sabe que tem quem mais dependa dela”, resume Beto. O casal não revela quanto investiu para realizar o sonho: “Não tem preço. É um plano de vida”.
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