Por thiago.antunes
Rio - Integrantes do grupo candomblecista Ilê Axé Xapônnã, de Cosmos, na Zona Oeste, fizeram ontem à tarde, dentro do Cemitério de Ricardo de Albuquerque, na Zona Norte, um ato de desagravo, segundo eles, pelos mortos que não puderam receber oferendas em rituais que estavam sendo coibidos pela administração local, conforme O DIA denunciou. A mãe de santo Rosiane Rodrigues, de 42 anos, que postou vídeo em seu perfil na rede social mostrando o momento em que foi barrada com outros fiéis no dia 30 no mesmo cemitério, participou do ritual.
Os adeptos do candomblé não foram barrados na entrada, mas pelo menos dois seguranças ficaram observando-os a certa distância durante os poucos mais de 30 minutos em que permaneceram em frente a um cruzeiro, próximo ao local onde são enterrados os corpos de famílias pobres. Os religiosos fizeram uma roda com atabaque e acenderam velas aos pés do cruzeiro.
Adeptos do candomblé fizeram uma roda%2C tocaram atabaque e acenderam velas aos pés do cruzeiro. Não foram barrados na entrada%2C mas foram observados por segurançasBruno de Lima / Agência O Dia

“Infelizmente, esse tipo de situação constrangedora (de seguranças os seguindo), se repete em praticamente todos os cemitérios do Rio. Isso é uma das maiores agressões, e silenciosa, que nos impõem”, protestou Rosiane, que aproveitou para buscar documentos que comprovam que seus avós e a mãe estão enterrados lá, em túmulo perpétuo. “Vão compor a ação que vou impetrar na segunda-feira junto ao Ministério Público contra a administração do cemitério”, adiantou.

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O babalorixá Jorge Luiz Amaral, o Pai Luiz de Omulu, presidente do Ilê Axé Xapônnã, disse que espera que o ato sirva como um divisor de águas. “Esperamos que seguidores de outras religiões e os próprios governantes tenham mais respeito por nossas tradições. O cemitério, para nós do candomblé, é muito sagrado. É aqui, onde estão nossos antepassados, que buscamos forças, energias positivas. Para nós não existe morte e sim uma continuidade em outro plano”, ressaltou.
Jerônimo de Oliveira Barreto, um dos administradores do cemitério, garantiu que não há proibições de cultos feitos por fiéis de religiões de matrizes africanas. “A orientação que damos é que os rituais sejam feitos apenas no horário aberto ao público, das 7 às 19 horas”, disse. Na quinta-feira, o provedor da Santa Casa de Misericórdia, que ainda é responsável pelos cemitérios públicos da cidade, negou que tenha partido dele a ordem para que funcionários impeçam os cultos.

Cartilha vai ensinar a fazer ‘oferenda sustentável’

As oferendas deixadas por religiosos de origem afro, entre elas a umbanda e o candomblé, nos cemitérios, são as principais queixas de quem critica os rituais protagonizados por seguidores dessas religiões. São travessas de barro e de louça, garrafas, copos e outros utensílios, além de comidas caseiras, frutas e refrigerantes, que, segundo funcionários dos cemitérios, poluem o meio ambiente e atraem urubus, ratos e baratas. Com apoio de grupos ligados às religiões, o Programa Elos da Adversidade, da Secretária de Estado e Ambiente (SEA), lança na segunda-feira a cartilha que defende a chamada “oferenda sustentável”.

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“É uma ideia excelente e que protege o meio ambiente”, defende Pai Luiz de Omulu. A cartilha será lançada às 10h na cachoeira Rio da Prala, em Campo Grande, localizada no final da Estrada do Cabuçu, onde serão instaladas placas alertando aos religiosos para a prática de atitudes responsáveis. “Há dez anos lutamos em defesa da fé e por um ambiente saudável”, completou.
Nos chamados despachos sustentáveis, os umbandistas de várias partes da Zona Oeste, como os de Santíssimo, por exemplo, já usam produtos que não causam danos à natureza na hora de colocar suas ofertas para os orixás. Eles trocaram recipientes de vidro e barro por flores e folhas verdes largas e resistentes, como a mamona e a bananeira. Cascas de coco passaram a dar lugar a copos e garrafas.
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“A natureza passa a ter um ambiente muito mais agradável para todos”, justifica Pai Luiz de Omulu. Ele defende ainda um trabalho educacional mais amplo dos governantes em todas as esferas, que possibilita a conscientização e ensine as práticas recomendadas, em parceria com ambientalistas. Em agosto, a SEA lançou o Projeto Sagrado da Curva do S, no Parque Nacional da Tijuca, onde um espaço para rituais foi delimitado.
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