Por thiago.antunes
Rio - Prima-irmã do tempo, a solidão tornou-se o descompasso no coração de um dos mais ilustres representantes do Choro Brasileiro: Caçula. Nascido Carlos Silva e Souza, ele foi um dos mais celebrados músicos da ‘Época de Ouro do Rádio’ e acariciou as cordas do seu violão para famosos como Pixinguinha, Paulinho da Viola e Elizeth Cardoso. Aos 71 anos e sem trabalho, foi obrigado a pôr à venda dois dos seus quatro violões para pagar dívida no decadente Rio Hotel, na Praça Tiradentes, onde mora há cinco anos, num quarto que sequer tem banheiro.
A irmã Aglaise Souza postou o anúncio na internet e foi surpreendida. “Se os contemporâneos de Caçula o esqueceram, e há pelo menos dois anos não o convidam para participação em shows, os jovens mostraram reverência ao ídolo”, elogia.
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Rubem Pereira, da Revista do Choro (online), viu o anúncio e escreveu um artigo sobre a dificuldade financeira dele. Ronaldo Gonçalves, um jovem músico que conhece o trabalho de Caçula, organizou uma coleta de dinheiro para que a dívida no hotel fosse paga sem a venda dos violões. E Alex Santana, da Escola de Música Canto Pra Viver, na Tijuca, montou um workshop para o próximo dia 19.
Caçula%2C expoente do choro%2C acumula forças no violão. Ele%2C que acompanhou músicos como Pixinguinha%2C mora em um hotel na Praça Tiradentes Bruno de Lima / Agência O Dia

De conversa em conversa, enquanto relembra histórias dos seus áureos tempos, Caçula despe o violão, o acomoda gentilmente sobre as pernas e faz um carinho em suas costas. Derramando gentileza sobre as cordas, ele puxa um primeiro acorde e seus verdes olhos cansados se enchem de vida. “Comecei a tocar aos 11 anos. Com 13, estava na Escola de Música Ultra, na Praça da Bandeira, e era o mais adiantado da turma. Tinha um garoto lá, com defeito na perna, que sempre me pedia para tirar dúvidas dele sobre acordes. Anos depois, se transformou no Roberto Carlos”, conta, embevecido.

Por seis décadas, Caçula trabalhou com ilustres nomes da MPB, como Sílvio Caldas, Orlando Silva, Ellen de Lima, Moreira da Silva e Fafá de Belém, entre outros. Além de integrar a equipe de músicos das rádios Nacional, Mayrink Veiga, Tupi e Vera Cruz.
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Como não consegue viver longe das melodias, agora gasta suas tardes de domingo numa roda de músicos na Praça São Salvador, em Laranjeiras. “Toca de graça. No fim da noite, um amigo põe uns R$ 50 no bolso dele. Caçula janta, pega um táxi para casa e no dia seguinte não tem dinheiro sequer para o café da manhã”, lamenta a irmã Aglaise Souza.
Nos planos, show na Rua do Mercado
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A coleta de dinheiro para Caçula, criada no site Vakinha.com, receberá doações até o próximo dia 28. Até agora, rendeu R$ 6 mil — depois de ele quitar a dívida com o hotel, sobrou apenas R$ 1 mil. O workshop idealizado por Alex Santiago está programado para 19h30 de 19 de dezembro, na Escola de Música Canto Pra Viver, na Rua Gonçalves Crespo 56, na Tijuca. Caçula reforçará um pouco o caixa com a metade do que for arrecadado.
E há a perspectiva de um show dele, programado para janeiro no Adeles Bar, na Rua do Mercado 51, no Centro Histórico do Rio. “Tem gente que gosta muito dele e reconhece sua grande importância no mundo da música. Mas Caçula se tornou uma pessoa muito só. Ele precisa de trabalho não apenas para sobreviver, mas para viver, essencialmente”, diz a irmã.
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