Por thiago.antunes
Rio - Dona Luiza Alves, de 77 anos, a quilombola mais velha da Ilha de Marambaia, em Mangaratiba, está feliz. Um acordo fechado com a Marinha no mês passado garantiu o direito à comunidade a uma porção de terra daquele pedaço de paraíso, depois de mais de cem anos de expectativa. “O que mais me entristecia era que nossos filhos tinham que ir embora para buscar melhores condições. Acredito que tudo ficará bem”.

Certamente, os tempos serão outros. Os 349 quilombolas, que formam 101 famílias e vivem em 96 casas, ganharam direito a aproximadamente 530 mil m² de terra. Antes do acordo, eles eram impedidos de construir novas casas na ilha. O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado prevê a construção de mais 25 residências em caráter emergencial.

Segundo o imediato do comando-geral do Corpo de Fuzileiros Navais, capitão-de-mar-e-guerra Carlos Chagas, que participou da negociação do TAC, a conciliação foi importante para os dois lados. “Os moradores vão ficar com os locais que já usavam, e nós com os nossos. Demos espírito de legalidade à forma como a ilha já funcionada. Os moradores se sentem mais seguros porque sabem que agora são donos da terra deles”, disse Chagas.

A principal atividade da comunidade é a pesca artesanal. Com o acordo%2C novas casas%2C obedecendo um limite%2C poderão ser construídas por láSeverino Silva / Agência O Dia

A comunidade quilombola da Ilha de Marambaia conseguiu ter direito à terra após mais de cem anos de luta por reconhecimento. Eles compartilham o lugar com a União: ali há uma importante unidade dos Fuzileiros Navais. 

As partes encerraram uma briga judicial que ganhou mais força em 1998, quando foi pedida a reintegração de posse em favor dos militares. Eles assinaram o TAC para ter de direito a posse de parte da ilha, em nome da Associação da Comunidade Remanescente de Quilombos da Ilha de Marambaia (Arquimar). A titulação da terra foi dada de forma coletiva em favor da que definirá a destinação das casas, que não poderão ser vendidas. O TAC também prevê que outras 89 pessoas que deixaram a ilha possam voltar a morar em Marambaia.

Dona Luiza lembrou que, apesar do processo na Justiça, os quilombolas e os militares tinham uma convivência muito boa. Pescadora, como outros 181 moradores, ela deu à luz a dez filhos, sendo que dois nasceram com apoio de médicos militares. Além disso, o transporte tem sido feito em embarcação da Marinha, que leva os moradores da ilha até Itacuruçá. Os tempos difíceis, espera Dona Luiza, são agora coisa do passado.

A quilombola Luiza e o oficial Chagas: ambiente sempre foi de colaboração, apesar da disputaSeverino Silva / Agência O Dia

Doação de antigo dono foi só verbal

Publicidade
A ilha era de propriedade de um senhor de escravos conhecido como Comendador Soares. Quando Soares morreu, teria deixado a propriedade para os seus ancestrais escravos. Mas o acordo foi apenas verbal. A viúva vendeu a ilha para uma empresa, que, após falir, passou-a para a União, em 1905.
A propriedade foi repassada para a Marinha, que construiu uma escola de aprendiz de marinheiro. Em 1938, no governo de Getúlio Vargas, foi construída uma escola profissionalizante de pesca, a Darcy Vargas, que trouxe diversos alunos para a ilha.
Publicidade
A escola funcionou até 1971 e voltou a ser uma base dos Fuzileiros Navais, que criou um centro de adestramento, que opera até hoje. Em 1998, a Marinha entrou com um pedido de reintegração de posse para retirar os quilombolas do local. Em 2002, um promotor público federal entrou com um ação cível pública contra a Marinha. O TAC foi assinado no dia 27 de novembro.
Parceria garante preservação cultural
Publicidade
Além da pesca, os quilombolas plantam na ilha — principalmente aipim, batata doce e banana, para subsistência. Contudo, antes da assinatura do TAC, eles não podiam ampliar suas plantações. Além disso, para o morador Hélcio Santana o TAC é uma garantia para a cultura do jongo e da capoeira, tradição no quilombo, que terão espaço especial para serem celebrados, na antiga senzala: “Nós quilombolas tivemos posse da terra e isso é muito importante. Vamos poder dar continuidade a nossa existência e tradição por muitas gerações”, diz Hélcio.
Com o TAC, ambas as partes se comprometeram a preservar a ilha para que os interesses da Defesa Nacional, dos moradores e do meio ambiente sejam garantidos. Na região, existe um dos últimos trechos de mata atlântica nativa do Brasil.
Publicidade
Segundo o TAC, a ilha permanecerá como área militar, orientada para o treinamento de tropas militares tanto no meio ambiente como em simuladores. A Marinha também realiza cursos para civis, como por exemplo, para pesquisadores que vão atuar no Ártico e recebem orientações sobre sobrevivência, liderança e convívio.
Na Ilha de Marambaia, o Corpo de Fuzileiros Navais tem duas unidades, o Centro de Avaliação, que desempenha atividades operacionais e o comando doutrinário, que estabelece normas e condutas da corporação. Em 2013, o Ministério da Defesa considerou a ilha como área de interesse para a Defesa Nacional.
Publicidade
Publicidade