Família de jovem morto em área de UPP vai processar o estado
Testemunhas contam que Patrick levou vários tiros em confronto de PMs no Lins
Por thiago.antunes
Rio - A família de Patrick Ferreira de Queiroz, de 11 anos, morto a tiros durante um confronto entre traficantes e policiais militares da UPP Camarista Méier, anteontem, vai processar o estado. A ajuda virá do advogado João Tancredo, ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). Patrick será enterrado neste sábado à tarde, data em que completaria 12 anos, no Cemitério do Catumbi.
“A bala perdida da PM tem alvo: pretos, pobres e moradores de favelas. É preciso que algo seja feito contra os autos de resistência que, com o mínimo de investigação, se revelam de homicídios cometidos pelos agentes do estado”, disparou João Tancredo.
Nesta sexta-feira, versões diferentes foram dadas, mas nenhuma esclareceu a morte de Patrick. A Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) informou quinta-feira que houve uma troca de tiros entre policiais e traficantes e que Patrick foi baleado. Na delegacia, os PMs envolvidos no caso registraram o fato como auto de resistência (morte em confronto com policiais). No entanto, testemunhas contaram à família que o menino teria sido executado.
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“Deram um tiro e ele caiu sentado. Quando chegaram perto, os PMs deram os outros tiros pelas costas. Patrick disse que estava com sede e o policial pegou água e jogou na cara dele”, afirmou a prima do garoto, Denise Balu da Silva, de 24 anos.
Delegado da 25ª DP (Engenho Novo), Niandro Lima, acompanhou a perícia no Morro da Cachoeira Grande, Complexo do Lins, e disse que não foram encontradas cápsulas deflagradas de pistola. Esta seria a arma que, segundo a PM, Patrick portava. O armamento foi apreendido e encaminhado ao Instituto de Criminalística Carlos Éboli. A perícia vai verificar se algum disparo foi feito com a pistola calibre 9 milímetros, se há impressões digitais de Patrick ou de outras pessoas. O laudo sairá em 30 dias.
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Nesta sexta-feira, as investigações passaram para a 26ª DP (Todos os Santos). Outra análise, do Instituto Médico-Legal (IML), vai mostrar se havia pólvora nas mãos do menino. Se positivo, o resultado vai contradizer a versão do confronto dada pelos policiais da UPP. O pai de Patrick, o ajudante de caminhão Daniel Pinheiro de Queiroz, 48, voltou a afirmar que foi ameaçado pelos PMs e impedido de socorrer o filho. “Os policiais disseram que, se eu desse mais um passo eu também ficaria estirado no chão igual a ele”, contou Daniel.
Patrick foi para na DP há uma semana
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No dia 8, Patrick foi conduzido à 25ª DP por PMs da UPP Camarista Méier, acusado de envolvimento com o tráfico. Um inquérito foi aberto e ele foi entregue ao pai, Daniel Queiroz. A família, porém, contesta que o menino tivesse qualquer relação com criminosos. “O local onde as crianças brincam fica perto de bocas de fumo e movimento de traficantes. Não é a primeira vez que há tiroteio e as crianças ficam em perigo. Desta vez, Patrick morreu”, contou a irmã do menino, Scarlet Ferreira de Queiroz, 20.
O ex-secretário Nacional de Segurança Pública e coronel da PM de São Paulo, José Vicente da Silva, critica a ação. “Não é uma conduta de policiais, mas de homicidas. A PM é uma instituição que existe para cumprir leis e normas, proteger a sociedade, mas a formação de policiais em quatro meses é inadmissível. Em São Paulo, um militar leva 24 meses para ir para as ruas”, comparou o oficial, que tem 52 anos de experiência na área.
A Coodenadoria e Polícia Pacificadora (CPP) instaurou um Inquérito Policial Militar para purar o caso. A corregedoria da PM poderá afastar os policiais envolvidos do serviço nas ruas. Em nota, a CPP afirmou que o pai de Patrick foi impedido de chegar ao filho para preservar o local do crime.
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Responsável por infratores, Degase mostra sinais de crise
Responsável pela recuperação e reinserção social de menores infratores no Rio, e onde está um dos irmãos de Patrick Ferreira, o Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase) dá sinais de que está passando por uma crise financeira. Algumas unidades administrativas estão sem internet e o serviço de malotes dos Correios também foi suspenso. O motivo, segundo servidores ouvidos pelo DIA, é a falta de pagamento. A instituição usa outro argumento. Diz que os problemas ocorreram devido “à uma reestruturação em andamento”.
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“Estamos fazendo as buscas nas fichas dos jovens de modo manual, porque não tem Internet desde novembro. Além disso, em muitas unidades, os processos estão sendo levados de Kombi porque o malote não foi pago”, desabafou um servidor que preferiu não se identificar.
O fato é que a situação de falta de dinheiro na instituição já vem se arrastando faz algum tempo. No Natal, por exemplo, os 2,5 mil funcionários ficaram sem a tradicional cesta para a ceia. A licitação para comprar os kits até foi feita, mas o Degase não tinha os R$ 887 mil para pagar a despesa com a empresa ganhadora da concorrência pública. Na ocasião, o órgão disse que foi dada “prioridade ao investimento em melhorias estruturais para os adolescentes em conflito com a lei que cumprem medidas socioeducativas”.
Apesar da crise, a verba com os adolescentes não têm sofrido alteração. Os dados do ano passado revelam que o Degase gasta pelo menos R$ 7.580 por mês — cerca de dez salários mínimos — para manter cada menor infrator em suas instalações. Este valor é quase três vezes e meia o gasto com um preso do Complexo Penitenciário de Bangu: R$ 2.238 mensais.
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Mesmo com tanto investimento, em 2013, 27% dos adolescentes que já foram internados no Degase voltaram a cometer crimes. Eles foram levados novamente para unidades da instituição. Há cinco anos, este número era de 48%.