Por thiago.antunes
Rio - A empresária Zahrah Carolina Bravo, 33 anos, chega à Sociedade Islâmica da Baixada Fluminense para fazer uma das cinco orações praticadas por muçulmanos ao longo do dia, conforme manda a tradição. Porém, antes de cumprir o protocolo de se inclinar em direção a Meca — cidade na Arábia Saudita, considerada sagrada e alvo de peregrinação dos adeptos da religião — ela tira da bolsa o véu que deveria ser usado durante o dia, mas que passou a ser evitado em público desde segunda-feira passada.
Foi quando, numa caminhada por Nova Iguaçu, recebeu uma cusparada no rosto e acusações de práticas terroristas devido à vestimenta, associada erroneamente a ações de grupos extremistas do Oriente Médio. Foi um episódio de intolerância considerado “leve” por ela e outras muçulmanas radicadas no Rio, estado conhecido pela pluralidade mas que, de acordo com as religiosas, vive onda crescente de “islamofobia”. Identificadas pelas roupas, as mulheres são alvos preferenciais de injúrias e agressões.
'As pessoas não entendem que os episódios terroristas não refletem o Islã%2C mas sim disputas políticas'%2C Zahrah Carolina Bravo%2C 33 anosMárcio Mercante / Agência O Dia

“No último mês, os ataques cresceram de forma proporcional ao número de posts com ‘Je suis Charlie’ compartilhados na internet”, diz a jovem AJ, de 19 anos, que pediu para não ser identificada, em referência ao atentado terrorista ao periódico francês ‘Charles Hebdo’ em janeiro, em que morreram 12 pessoas, após publicação de charges que satirizavam o profeta Maomé.

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A jovem, como tantas muçulmanas, vive o medo de assumir a religião. “Sofri bullying a infância inteira”, explica. “A maioria das pessoas não entende que os episódios que culminam em execuções terroristas não refletem o Islã, mas sim disputas políticas sangrentas”, pondera Zahrah. Mais velha, ela acumula marcas da intolerância pelo corpo e na memória. No couro cabeludo, espaço no qual os fios não crescem. Fruto de ‘trote’ sofrido em 2010, quando cursava pedagogia na Uni-Rio.
“Apagaram cigarro no meu véu e, assim, atearam fogo. Era chamada de mulher-bomba e esposa do (terrorista) Osama Bin Laden ao pisar na sala”, diz ela, que desistiu da carreira. Foi o caso mais grave de violência dos cinco que culminaram em registros policiais. “O maior preconceito se vê no dia a dia, nos risos e olhares que percebo ao entrar de véu no trem”, diz.

Os costumes traçados no Alcorão — livro sagrado da religião — também custaram caro. “Fui demitida de uma empresa de telemarketing sob o argumento de que escondia o rosto e precisava interromper o expediente para orar. Hoje muitos muçulmanos só fazem duas orações por dia (antes de sair de casa e depois de voltar), e não cinco, o que seria o ideal”, conta.

'Era chamada de mulher-bomba e de esposa do Osama Bin Laden logo ao entrar na sala'Márcio Mercante / Agência O Dia
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Medo impede que denúncia seja feita
De acordo com lideranças muçulmanas, os números relativos à intolerância religiosa direcionada a islamitas, ainda que crescentes, são vagos. “A maioria das vítimas se cala por medo”, explica o presidente da ABMRJ, Abdulla Muhammaad, que confirma a escalada da violência. Ele tomou conhecimento de pelo menos quatro casos, no último mês, no Rio. As agressões — difundidas pelas redes sociais — fizeram com que uma página voltada a denúncias fosse criada na internet, na última semana.
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Através do site www.islamofobia.com.br, as vítimas podem fazer relatos e receber amparo e orientações de como agir em casos extremos. Criador do site, Juliano Souza diz ter tomado a iniciativa após casos de pichações em mesquitas de São Paulo.
Diretor da Sociedade Beneficente Muçulmana (SBM- RJ), Sami Isbelle teme que casos pontuais se tornem mais constantes. “Entre os homens, as roupas passam despercebidas e, por isso, não são alvos de tantas ironias.” A discriminação faz com que muitas muçulmanas optem por omitir, ou mesmo mentir, quanto à sua fé. “Quando me perguntam se sou evangélica e se este é o motivo do comprimento das minhas roupas, não titubeio. Digo que sou, sim”, conta AJ.
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No entanto, é a distorção da doutrina que mais as incomoda. “O que amedronta são os ataques físicos e ameaças. O que entristece é saber que existem pessoas que pensam que uma religião pode ‘pregar’ a barbárie. Atos terroristas não são praticados por verdadeiros muçulmanos, não encontram endossamento nos nossos livros sagrados”, ressalta Zahra.
Ignorância gera problema
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Na opinião do babalaô Ivanir dos Santos, integrante da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, é a ignorância que move os agressores de muçulmanos. “Referir-se a um islâmico como terrorista reflete ignorância tão grande quanto a de quem olha para uma favela e se refere a todos os moradores como ‘bandidos’”, afirma.
De acordo com a SBM-RJ, existem três mil muçulmanos vivendo, hoje, no Rio. No estado, o número poderia subir a dez mil. Uma fatia ínfima, se comparada ao 1,5 bilhão de muçulmanos espalhados pelo mundo, o que faz do islã a religião com maior número de fiéis. “Mesmo assim, se perguntarem qual é a primeira palavra que vem à cabeça do grande público quando se fala em islamismo, muitos dirão ‘terrorismo’. Uma pena”, lamenta Sami Isbelle.
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Os islamitas seguem o Alcorão e são fiéis à mensagem de Deus por meio do que disse o profeta Maomé, no livro escrito no século VII. O seguidor do islamismo tem como algumas de suas obrigações, de acordo coma doutrina, “promover o bem e reprimir o mal, evitar a usura e o jogo,além de não consumir álcool e carne de porco”.
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