Por felipe.martins

Rio - Um processo seletivo simplificado para nove cargos temporários da rede pública de ensino de Rio Bonito está dando o que falar na cidade. Uma mesma prova foi aplicada para três níveis de instrução — Fundamental, Médio e Superior. Com apenas seis questões objetivas, ela foi realizada em janeiro, com perguntas banais. Uma delas procura saber se o candidato sabe ver as horas no relógio. A Secretaria Municipal de Educação admitiu a facilidade e informou que o exame foi concebido para “excluir analfabetos”.

A secretária de Educação de Rio Bonito%2C Lucy Teixeira%2C mostra o decreto utilizado para a realização do exame%3A “Seguimos dentro da legalidade”Fabio Gonçalves / Agência O Dia

Além da questão sobre o relógio, uma outra perguntava se o indivíduo nascido em Rio Bonito seria italiano, riobonitense, gaúcho ou mineiro. Segundo a secretária municipal de Educação, Lucy Teixeira, não foi possível formular provas diferentes para os três níveis de escolaridade porque a pasta não tem profissionais suficientes para elaborar e corrigir os exames.

“Seguimos dentro da legalidade. O processo é simplificado mesmo. E foi uma opção nossa aplicar a mesma prova para os diversos cargos, pois nossa comissão é pequena. A prova foi só para atender ao decreto e, além disso, eliminar as pessoas que não têm noção nenhuma”, declarou Lucy.

Segundo ela, o que definiu a capacidade do candidato foi a entrevista, última fase do concurso. Nela, os postulantes responderam a uma questão: como desempenhariam seu papel em diversas situações, como em casos de conflito, subordinação, cumprimento dos deveres, interação com crianças e adolescentes no ambiente escolar.

Com base nas respostas da entrevista, os candidatos foram avaliados nos quesitos conhecimento técnico, comunicação, legislação, noções básicas do serviço público e sensibilidade para questões sociais. Os aprovados já firmaram contrato temporário.

Perguntada se o processo poderia privilegiar determinadas pessoas, já que o critério de escolha foi só pela entrevista, Lucy admitiu que poderia haver interpretações subjetivas dos entrevistadores, mas que era impossível beneficiar candidatos.

“É lógico que depende da interpretação dele (do entrevistador). A questão de subjetividade é complexa mesmo. Mas, num universo de mil candidatos distribuídos ao mesmo tempo em uma entrevista, não tem como haver critério de escolha e indicação”, argumentou.

Para o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas Fernando Fontainha, a prova deveria nivelar os candidatos, mas da forma que foi aplicada, não avaliou nada. “Uma prova como essa não serve para medir habilidades e competências. É evidente que há algo de errado. A complexidade do cargo está sendo tratada da mesma maneira para os três níveis de escolaridade”, declarou.

Candidatos falam em ‘ farsa’. Sindicato desqualifica a seleção

Na página da Secretaria Municipal de Educação de Rio Bonito no Facebook, administrada pela própria secretária, a divulgação do gabarito da prova virou piada. Um dos candidatos que realizou o exame, mas foi reprovado na etapa da entrevista, escreveu na página que “qualquer um gabaritava a prova”. O candidato alegou que o processo foi uma farsa. “Esse processo seletivo foi uma farsa como todos os outros. E, dessa vez, nem os critérios de avaliação foram leais, a prova foi ridícula”, afirmou o candidato.

As questões de múltipla escolha foram consideradas até ‘insanas’%2C como a do relógio e do bonequinho de cinema.Reprodução

De acordo Marta Moraes, diretora do Sindicato dos Professores do Rio, até uma criança de 5 anos poderia realizar a prova de Rio Bonito. “Isso é conteúdo de 3ª série do Ensino Fundamental”, disse Marta. O mesmo exame foi aplicado para candidatos de diferentes cargos, como o de motorista, para o qual é exigido apenas a conclusão do 5º ano do ensino fundamental; agente escolar, Ensino Médio completo; nutricionista e professor de mecânica, ambos exigindo nível Superior e licenciatura plena. Os salários variam de R$ 788 a R$ 908.

Um professor da rede municipal de Rio Bonito, que preferiu não se identificar, denunciou que a Prefeitura preferiu abrir um novo processo a chamar os candidatos aprovados no último concurso, em novembro passado: “É um absurdo. Uma fila imensa de aprovados esperando para entrar na rede, e a secretária só quer fazer contratação temporária.”

A secretária de Educação Lucy Teixeira alegou que o processo não pretendeu preencher os cargos do concurso anterior. O Sepe de Rio Bonito vai se reunir com ela no mês que vem para debater o caso.

Mais de mil pessoas se candidataram

Dos 1.300 inscritos no processo seletivo, uma média de 50 pessoas foram reprovadas na prova porque erraram duas ou mais questões. “Fiquei preocupada com essas pessoas. Muita gente fica aflita com prova de concurso. Nós, da secretaria, não podemos ir a fundo nesses casos, para não causar constrangimento”, declarou a secretária Lucy Teixeira.

O processo seletivo realizado em janeiro foi o quarto aplicado pela pasta desde 2013. Segundo Lucy, o último concurso para o magistério, em novembro, não foi suficiente para o preenchimento de algumas vagas, como a de professor técnico, que não teve aprovados suficientes. Para 27 vagas, só quatro pessoas foram aprovadas. Os cargos administrativos incluídos no último processo serão terceirizados em breve.

Ministério Público vai ser acionado

O Ministério Público será acionado para investigar o processo seletivo. Até o fim desta semana, o diretório municipal do Partido dos Trabalhadores (PT) de Rio Bonito vai oficializar o pedido ao órgão. “Aquela prova é mais do que surreal, é insana. É um desrespeito com o cidadão. Querem armar um esquema político? Faz bem feito, não avacalha”, apontou o presidente do diretório, Jorge Wallace Bretas, que espera investigação do MP em todos os processos. “Tudo tem que ser investigado porque daqui a pouco, a prefeitura nem vai fazer mais processo seletivo, vai contratar direto”, completou Jorge Wallace.

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