Por nicolas.satriano

O drama de uma família da Tijuca foi o pano de fundo para um crime que tem se tornado cada vez mais comum entre parentes de pacientes. O golpe, que fez os pais do administrador Antônio Carlos Leite Filho, de 41 anos — internado no CTI, no Hospital São Lucas, em Copacabana — perderem R$ 4 mil, foi dado na quarta-feira, em duas ligações. Um homem, que se dizia trabalhar na unidade, afirmou que precisava do dinheiro para realizar exame de tomografia e um anestesista para uma cirurgia de urgência. Tudo era uma grande fraude.

A alegação dada pelo homem é que o estado de saúde de Antônio havia se agravado e que o plano não iria cobrir tais procedimentos.“Eles sabiam o nome do meu irmão, tinham conhecimento que não era um horário de visita, por isso não estaríamos no hospital, e fizeram questão de ligar para o celular do meu pai, que é um senhor de 73 anos. Se aproveitaram da gente no momento mais difícil. Meu irmão está entre a vida e a morte”, afirmou a aposentada Margareth, 43 anos.

A irmã do paciente internado diz que o golpista fez o contato com o pai dela%2C de 73 anos. Ela registrou a ocorrência%2C tipificada como estelionatoAndré Mourão / Agência O Dia

Antônio está internado há uma semana com infecção no pulmão. A primeira ligação aconteceu, por volta das 10h30, para o celular do pai dele. O golpista dizia que era do hospital e que estava entrando em contato porque precisava realizar uma tomografia no paciente naquele momento. No entanto, a família precisava depositar, imediatamente, R$ 2,5 mil numa conta da Caixa Econômica Federal (CEF). “É claro que meu pai nem questionou. Anotou a agência e a conta, e fizemos o depósito numa loteria”, explicou Margareth.

A segunda ligação, pedindo mais R$ 1,5 mil, veio menos de uma hora depois. O homem disse que o exame apontava a necessidade uma intervenção cirúrgica de urgência. A família novamente fez o depósito, só que em outra conta corrente. Eles só descobriram a farsa quando chegaram ao São Lucas. “Estávamos indo para o hospital. Foi um desespero. Meu pai passou o telefone para mim, porque estava com a pressão alta de nervosismo, mas o homem gritava e dizia que queria falar era com ele. Na ficha do meu irmão, sou eu que apareço como referência, para uma possível ligação, justamente para poupar os meus pais que são idosos. Isso mostra que eles sabiam informações sobre minha família”, disse Margareth.

No mesmo dia, três tentativas

O caso foi registrado na 14ª DP (Leblon) como estelionato. O pai de Antônio já prestou depoimento. Segundo a assessoria da Polícia Civil, o procedimento foi encaminhado para 12ª DP (Copacabana), responsável pela área em que fica o hospital.

A irmã de Antônio contou que, ao chegar no hospital e descobrir que tinha caído num golpe, ficou sabendo que outras duas famílias de pacientes — um também do CTI — teriam sido contactadas por telefone no mesmo dia. “Parece que em um dos casos pediram R$ 16 mil. Mas só a gente depositou”, contou Margareth.

O São Lucas foi procurado, mas informou se, de fato, outros parentes de pacientes também foram procurados.

Alerta

?Não é a primeira vez que esse tipo de golpe é aplicado em hospital particular no Estado do Rio. Mas todo cuidado é pouco. Em um hospital da Zona Oeste, onde não se tem notícia de algo semelhante ao que aconteceu no São Lucas, um panfleto alerta pacientes e familiares sobre como proceder numa situação de pedido de depósito de dinheiro por telefone.

O hospital foi procurado para confirmar sobre o alerta, mas não quis se pronunciar sobre o assunto. Se limitou a dizer, por nota, que “não houve casos em sua unidade” e esclarece que “preza pela segurança e bem estar de todos seus pacientes”.

No papel, é informado que não se deve fazer nenhuma transação bancária, sem antes verificar a procedência da ligação.

Hackers conseguiram informações

Em agosto do ano passado, investigações conduzidas pelo delegado da 93ª DP (Volta Redonda), Antônio Furtado, indicaram a possível participação de hackers (pessoas que invadem sistemas de computação) para obtenção de dados pessoais, bancários e até prontuários de pacientes internados em hospitais, para as quadrilhas especializadas em praticar golpes contra doentes. A suposta participação de funcionários também passou a ser apurada.

Naquela época, parente de um senhor de 73 anos que estava internado no Hospital da Unimed daquele município, em fase terminal de câncer, foi vítima de estelionatários. Por telefone, o criminoso acabou convencendo a mulher da vítima, de 76 anos, a depositar pouco mais de R$ 10 mil na conta de um criminoso de Três Lagoas (MS) para a compra de um remédio que acabou não chegando.

“Pouco depois da abertura do inquérito, as investigações foram transferidas, por determinação judicial, para a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul. Infelizmente, acabamos sendo impedidos de dar continuidade aos trabalhos ”, afirmou Furtado. Até o fechamento desta edição, a polícia de Mato Grosso do Sul não tinha respondido à solicitação de informações sobre o andamento das investigações.Desde a aplicação do golpe, o Hospital da Unimed, que já havia sido vítima de outros ataques semelhantes, espalhou placas de alerta nos corredores.

Contas são de Mato Grosso

As ligações que o pai de Antônio recebeu, bem como as contas onde foram depositados o dinheiro, são do Mato Grosso. A agência fica em Rondonópolis, município de cerca de 200 mil habitantes. Duas mulheres (Maria A. S. Ferreira e Cristina A. M.) e um homem (Deividi Ferreira) aparecem como titulares da conta.

“Ligamos para o telefone, mas a pessoa que atendeu disse que não sabia do que se tratava. O golpista disse que era um tal doutor Deividi que iria fazer o procedimento. O hospital não fala em ressarcir o dinheiro que perdemos”, afirmou Margareth.

Até a noite desta quinta-feira, o administrador continuava internado em estado grave. Ele teve febre durante a tarde. Em nota, o Hospital São Lucas disse que “repudia ações desse gênero”, como aconteceu com a família do administrador Antônio. O grupo alertou, ainda, que não faz nenhum tipo de cobrança por telefone, “como consta do Manual do Paciente, disponibilizado no ato da internação.”

Segundo a unidade, “para garantir a segurança e a privacidade dos seus pacientes, familiares, acompanhantes e equipe de saúde, conta com uma equipe de segurança, zeladoria, monitoramento feito por câmeras de vigilância e controle de acesso nas recepções”. 

Você pode gostar