Por felipe.martins

Rio - ‘Criança não pode ser tratada como bandido’, protestou o desembargador Siro Darlan, que está à frente da Coordenadoria Judiciária de Articulação das Varas da Infância e Juventude e Idoso. A crítica é contra a foto dos menores apreendidos na 17ª DP (São Cristovão) e divulgada pela UPP da Mangueira. Em e-mail ao chefe da Polícia Civil, Fernando Veloso, o magistrado Siro Darlan fez duras críticas a imagem. No e-mail Darlan diz que ‘a violação do artigo 230 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) desafia uma ação penal contra os policiais violadores desses direitos’.

O parágrafo único do artigo 230 do ECA diz que a apreensão de menores tem que observar as normas legais. “O menino de seis anos não tinha que ir para a delegacia, e sim para o Conselho Tutelar”, sustentou Darlan.

Yvonne Bezerra, que atua na Maré, disparou: ‘Criança precisa de escola’Fabio Gonçalves / Agência O Dia

A defensora pública Eufrásia Maria Souza das Virgens, que comanda a Coordenadoria Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública, também criticou a foto: “Estamos acompanhando o caso. O procedimento (dos policiais) foi totalmente equivocado, porque eles levaram uma criança para a delegacia. Isso mostra o despreparo deles”.

Marcos Fagundes, que é coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude do Ministério Público, vai analisar a foto e, se for constatada violação, enviará a imagem aos promotores responsáveis.

Coordenadora do projeto social Uerê, que atende 430 crianças e adolescentes em escola na Maré, Yvonne Bezerra de Mello, disse que está assustada com o aumento de menores na criminalidade.
“Cadê as políticas públicas de governo? Criança precisa de escola”.Para o criminalista Luiz Flávio Gomes, a foto não fere a lei. “É preciso escolas para todas as crianças”.

A Polícia Civil não se pronunciou sobre as crítica e alegou que os policiais responsáveis pela imagem não vão ser chamados para depor. Procurada pelo DIA, a Polícia Militar não respondeu aos questionamentos sobre a foto.

Beltrame: ‘Em flagrante, a polícia tem que agir’

O debate sobre a apreensão dos menores chegou à Segurança e ao Tribunal de Justiça. Defensor da redução da maioridade penal, o secretário de segurança Pública José Mariano Beltrame definiu o caso como ‘emblemático’, apesar de frisar que apreensões devem ser acompanhadas de trabalho social e revisões da lei. “Esses dois menores precisam de muitas outras coisas além de uma ação da polícia. Mas, quando eles estão em uma situação em flagrante, a polícia tem que agir”, resumiu.

O secretário de Segurança José Mariano Beltrame, tratou o caso como ‘emblemático’Banco de imagens

Em contraponto à exaltação do trabalho dos policiais feita por Beltrame, o desembargador Siro Darlan, que atua no TJ junto a Varas da Infância e da Juventude, destacou que a criança de 6 anos jamais poderia ter sido levada a uma delegacia, mas diretamente ao Conselho Tutelar. O magistrado definiu a apreensão como uma ‘política fascista de Segurança Pública do Rio’.

Para a mãe do jovem de 12 anos, o caso expôs a fragilidade de punições exemplares. “Se ele fosse maior de idade, estaria preso a esta altura. Se vivêssemos em um país com pena de morte, talvez fosse condenado. É impossível não refletir em casos como este”, disse, em meio às lágrimas.

O filho dela relatou vergonha de voltar às aulas após a veiculação das imagens. “Tenho medo do que vou ouvir dos meus colegas. Errei. Todos sabem disso”, confessou, enquanto olhava num celular a imagem em que aparecia na delegacia de frente para uma parede.

Promotor  quer mudança na legislação

Promotor do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público, Daniel Braz sugere uma mudança na legislação. “A partir dos 16 anos, o jovem deveria ser submetido a uma lei que não fosse tão branda quanto a do menor de idade, mas que não chegasse à severidade do Código Penal para adultos”.


Ainda segundo Daniel Braz, o MP estuda de que forma pode ajudar na situação do menor de 6 anos“Nunca tinha visto um caso envolvendo uma criança dessa idade. Ela não pode nem entrar na parte do delito infracional, mas teria que ser encaminhada para acompanhamento psicológico com a família”.


O que diz a lei fora do Brasil

Em alguns estados do EUA, como a Carolina do Norte, um menor de 6 anos já pode responder por um crime. Em outros países, que apresentam grande taxa de criminalidade, como África do Sul, Nigéria e Tailândia, a idade mínima para responsabilidade criminal é de apenas 7 anos. Na Dinamarca, Noruega e Suécia adolescentes entre 15 e 18 anos estão sujeitos a um sistema judicial voltado para serviços sociais, sendo a prisão o último recurso.

Segundo a psicanalista Vera Márcia Ramos, um adolescente mede seus atos de forma diferente em relação a um adulto. “O adolescente tem dificuldade de ter noção da consequência dos atos dele. E estes que estão envolvidos na ação criminosa geralmente se deixam levar por situações sociais de degradação social e do tecido familiar”, afirma.

Sociólogo e cientista político da UFRJ, Paulo Baía acredita que não basta apenas uma mudança na legislação para resolver o problema. “Acho que pode haver algum tipo de modificação na lei da maioridade penal, porém o mais importante é o cumprimento de medidas socioeducativas adequadas, que hoje em dia praticamente não existem. Sem isso, nada vai mudar", disse Paulo.


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