Rio - Representantes de religiões afro-brasileiras de pelo menos seis estados do Brasil, inclusive o Rio, farão ato de protesto e se reunirão com o Ministério Público Federal, na segunda-feira, para pedir investigação sobre os objetivos do grupo Gladiadores do Altar. Criado em janeiro deste ano pela Igreja Universal do Reino de Deus, ele é composto por mais de 4 mil jovens com idade até 26 anos. Em vídeos exibidos na internet, os Gladiadores do Altar aparecem uniformizados, mostram postura militar e batem continência.
“Sabemos do histórico de perseguições e violência contra centros espíritas e integrantes de religiões afro-brasileiras, praticadas por membros da Igreja Universal em todo o país. Líderes da Umbanda e do Candomblé estão preocupados com o que pode vir a ser esse novo grupo”, ressaltou o advogado Luiz Fernando Martins da Silva, que elaborou a petição a ser entregue ao MPF.
O documento cita a Lei de Segurança Nacional (LSN), que proíbe a formação de grupos paramilitares e propaganda de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais e de perseguição religiosa.
Segundo a assessoria de imprensa da Universal, os Gladiadores são jovens com vocação missionária e que estudam a Bíblia, sem desenvolver qualquer prática militar. Ainda de acordo com a assessoria, foram feitas apresentações do projeto em igrejas de algumas capitais, e nelas os jovens aparecem marchando e entoando frases de efeito. “Foram eventos únicos, com coreografia ensaiada, para marcar festivamente a ocasião”, diz a nota.
Os mais antigos centros espíritas de Salvador, na Bahia, tomaram a frente do movimento, depois que o babalorixá Babá Pecê lançou carta aberta, na qual mostrava sua preocupação com o que viu nos vídeos. Além da Bahia, umbandistas e candomblecistas do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Maranhão e Rio Grande do Norte farão a manifestação e entregarão petição ao MPF em seus estados, dia 23. Na terça, os religiosos de Brasília farão o mesmo.
Para o pastor João Soares da Fonseca, da Primeira Igreja Batista do Rio, não se pode julgar antes de ver os fatos. “A Universal gosta muito de marketing arrojado, sensacionalista. Talvez seja mais um lance espetacular de publicidade. Acho que, por enquanto, o medo não é justificado”, opina o pastor.
Mulheres de saia verde-oliva e rapazes de farda
“Jesus, o capitão, avante os levará. A milícia dos remidos marcha impoluta”. Com saias até o joelho da cor verde-oliva e blusas camufladas, jovens mulheres cantam o hino religioso, no altar. São quase 20h30, quando um grupo de rapazes se perfila na porta da igreja. Uma voz masculina grita: “Atenção! Exército de Cristo”. Os rapazes respondem: “Jesus”. O chamado é repetido mais uma vez. Era a senha que eles esperavam.
Com uma bandeira do Brasil e outras duas — uma parece ser de uma denominação religiosa —, os jovens entram marchando ao rufar dos tambores, que lembram marcha militar. O ritual, como mostra um vídeo postado no You Tube, acontece numa pequena igreja de Xerém, na Baixada Fluminense. Os garotos usam calça, coturno e camiseta — também camuflada —, onde se lê “Exército de Cristo”. Eles dão meia volta e param na posição de sentido. “Senhores, vocês enfrentarão a maior batalha de suas vidas.
Os senhores estão preparados?”, grita o “comandante’, enquanto revista a “tropa” militar-religiosa. “Soldado Ferreira, quem é o nosso inimigo? É a sua igreja? É o seu pastor? São seus irmãos?”, interroga o ‘sargento’. “Não, senhor! É o diabo e seu exército”, responde o jovem, para a plateia de fiéis. De novo, o “superior” faz perguntas: “Soldado Oliveira, quem lhe capacita: “O Espírito Santo, senhor!”, responde o rapaz. Em seguida, o “sargento” dá ordem de comando à tropa: “Descansar”.
Expressões de guerra no discurso
Tomada de território, soldado, inimigo, exército. O linguajar lembra o cenário de guerra, mas com bases em um discurso religioso. Uma mistura que pode ser perigosa, se dentro desse ‘batalhão’ o fanatismo for a base da doutrina. Para o psicólogo e colunista do DIA Fernando Scarpa, a prática militarizada cria uma “massa de homogeneidade de pensamento.”
“O problema não é isso dentro da igreja. É quando sai dela. São batalhões para vencer o mal. Mas o que é considerado o mal? Por outro lado, é interessante notar que são grupos também que conseguem tirar pessoas das ruas e do tráfico”, argumentou ele. Antropóloga e professora da UFF, Ana Paula Miranda explicou que, de uma maneira geral, pode se observar um “projeto de poder” nesses ‘exércitos’, mas que isso não é uma novidade no meio religioso.
“Isso sempre existiu. As Cruzadas eram com soldados de guerra. A Igreja Católica teve um projeto imperial de poder. O novo é essa prática no Brasil em grupos evangélicos”, afirmou ela.
O sociólogo Luiz Vaz acredita que existem possibilidades de este ritual se “alastrar’ em outras denominações. Mas o perigo, segundo ele, é o fundamentalismo que pode alimentar esses ‘exércitos’. “O objetivo deles não é muito claro: se é uma atividade cultural, social. Fato é que eles querem fiéis, para ter poder.”