Por adriano.araujo

Rio - Premiadíssima em Turim, uma das principais cidades italianas, confeiteira de sucesso no país da pizza, Liliam Altuntas, de 36 anos, nascida em Queimados, na Baixada Fluminense, não é apenas mais um caso de superação. É bem mais que isso. Bem mais.

Abandonada pela mãe com 18 meses, foi levada pelos avós paternos para o Recife. Aos 6 anos, passou a morar com um tio, de quem sofreu abuso sexual até fugir de casa, aos 11 anos.

Foi acolhida na rua por uma senhora que lhe prometeu guarida em Fortaleza. Feliz, seguiu para o Ceará, na esperança de ser acolhida por uma família, mas o sonho tornou-se pesadelo. Seu novo ‘lar’, na verdade, era uma casa de prostituição. Acabou voltando para a casa do tio, pois “era preferível ser abusada por um homem só a deitar-se todas as noites com vários”.

A chef patissière Liliam Altuntas%2C de 36 anos%2C com sua ferramenta de trabalho%3A o saco de confeiteiro Divulgação

Desse tio, aos 14 anos, teve seu primeiro filho, Thomas, hoje com 21 anos. Para sustentá-lo, fez de tudo. Roubou, traficou e voltou a se prostituir até ser recapturada pela quadrilha da cafetina que a levou para Fortaleza. Com o filho recém-nascido ameaçado de morte, acabou parando da Alemanha, vítima de tráfico de menores, mas conseguiu deixar a prostituição. E refazer a vida num terceiro país, a Itália, após aprender a fazer doces em uma padaria.

“Sempre quis denunciar tudo isso, mas ninguém dá ouvidos para quem mora na rua, no Brasil ou na Europa. Mas agora que apareci na TV aqui, fui recebida por prefeito, ministros e autoridades, vi a chance de desabafar. Não só para contar minha história, mas para agradecer a todas as pessoas que um dia me deram um prato de comida na rua. Estou viva e venci. Vinte anos após passar fome, ganho prêmios vendendo comida”, contou Liliam ao DIA, aos prantos.

Além de ganhar prêmios, Liliam também dá palestras motivacionais em colégios e universidades e a grupos de garotas de programa que sonham com uma vida nova.

“Só cheguei onde cheguei porque tinha a curiosidade de ser feliz. Passei uma vida sem saber o que era isso. E lutei até conseguir”, disse, emocionada.

Chef patissière planeja levar toda a família ao Rio e tomar água de coco

Os momentos de dor e sofrimento de Liliam hoje são coisa do passado. Apesar de ter sido abandonada pela mãe ainda bebê, a confeiteira tem o sonho de reencontrá-la. A mágoa, com o passar do tempo, deu lugar à compreensão. E à compaixão.

“Claro que perdoo. Queria vê-la para poder sentir seu cheiro. E para que ela possa ter orgulho de mim. Sei que não foi fácil para ela, pois meu pai também a largou depois que eu nasci”, disse a patissière.

As relações com a mãe, a doméstica Edna Gomes de Oliveira, que ainda mora em Queimados, foram retomadas em 2010, por telefone e por meio de redes sociais. Muito humilde, Edna não quis dar entrevista, mas sua filha Jéssika Miranda, irmã mais nova de Liliam, aceitou falar com o DIA.

“Minha mãe é muito fechada e se assustou quando a Liliam ligou para cá em 2010. Mas se tivesse a oportunidade de encontrá-la, ela iria com toda certeza. Ela ficou pasma com o que ouviu. E eu também sou louca para conhecer a Liliam. Não foi fácil para ela. É uma guerreira e a admiro muito”, contou Jéssika, que tem mais dois irmãos, Marcos e Edson, que também já falaram com Liliam.

O reencontro real ainda está longe de acontecer. Liliam sonha voltar ao Brasil, mas não quer vir sozinha, mas com toda a família, hoje composta pelo marido, cinco filhos e uma nora, que está grávida.

“Um dia, eu vou. Quero ter o prazer de apresentar a todos a minha história. E de poder beber uma água de coco após mais de 20 anos”, disse.

?VIVA VOZ

“A vida me levou para alguns caminhos terríveis. Roubei, fumei, cheirei, comi comida em lixão. Quando a polícia chegava, pensava que eles iriam salvar a gente, mas eles abusavam da gente. O que mais lembro do Recife era uma padaria. Parava em frente e sonhava com aqueles doces e ter uma padaria.

Hoje, graças a Deus, tenho a minha padaria e não esqueço do que passei. Todos os domingos, distribuo doces aos moradores de rua em Turim, só eu sei o que é a dor de morar na rua.”

?LILIAM ALTUNTAS, Chef patissière

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