Por daniela.lima

Rio - De barraco em barraco, a favela cresce e enche o bolso da milícia. É como num passe de mágica: uma invasão loteia o terreno e começam a pipocar centenas de casinhas. Logo, logo serão novos moradores dentro da comunidade e mais clientes para os paramilitares faturarem ainda mais com a venda (forçada) do chamado kit-milícia de serviços: gatonet, gás, transporte clandestino e segurança privada. 

2012: Imagens aéreas mostram a expansão da comunidade e a abertura de estradas de terra que avançam pelas matas do Maciço da Pedra Branca, nas imediações da Rua Tejo. A milícia gastou R$ 1,8 milhão para comprar um terreno de 700 mil metros quadrados, do lado de fora da favela. A quadrilha montou uma imobiliária para negociar e até financiar os lotesReprodução Google Earth


Líder do grupo que domina seis comunidades na Praça Seca, em Jacarepaguá, o ex-sargento da Polícia Militar Luiz Monteiro da Silva, o Doem, em dez anos, praticamente dobrou o número de moradores com ocupações irregulares. Esticou seus territórios sobre áreas de proteção ambiental, sítios abandonados e terrenos públicos. Saltou de pouco mais de 6 mil moradores, em 2006, para 13 mil no ano passado.

Em todos os negócios, a quadrilha de Doem lucrou pelo menos em duas etapas: na venda dos terrenos e, depois, com a oferta dos “serviços”. Para ampliar ainda mais o faturamento, chegou a criar em sociedade com a mulher, em 2010, a Uru12 Doem Construções, uma loja de material de construção na comunidade da Chacrinha.

Imagens aéreas da favela, feitas ao longo dos últimos oito anos e registrados pelo site Google, mostram uma parte do ‘crescimento’ da comunidade. Dois amplos terrenos nas ruas Florianópolis e Urucuia são ocupados por construções — algumas com mais de um andar. As obras de ‘urbanização’ chegavam a pavimentar os terrenos — valorizando, evidentemente, o lugar.

Mas nada é mais emblemático do que o avanço sobre o Maciço da Pedra Branca. O ex-sargento chegou a gastar R$ 1,8 milhão para comprar um terreno de 700 mil metros quadrados na Rua Tejo, do lado de fora da favela. A ideia era construir um condomínio com 240 lotes de classe média. Em sociedade com João Bosco Damasceno da Silva — usado como laranja para adquirir a área —, ele pretendia um pouco mais: grilar um pedaço de terra dez vezes maior. Chegou a circundar o terreno e abriu uma estrada dupla com a ajuda de tratores.

Para a estratégia dar certo, a quadrilha montou uma imobiliária para negociar e até financiar os lotes. O condomínio foi cercado e nove terrenos chegaram a ser vendidos até Doem e o sócio serem processados pelo Ministério Público e condenados a 12 anos de prisão por parcelamento de solo — a área é de preservação ambiental — e formação de quadrilha.

Nem tudo é só empreendedorismo na quadrilha. As investigações da polícia mostram que os desobedientes ou devedores iam parar no ‘Serasa’ da milícia, onde, além de perder o crédito e ter casa destruída e incendiada, o morador corria o risco levar uma surra e ser expulso da comunidade. Como aconteceu com seis famílias num assentamento na Comunidade Comandante Luiz Souto, onde cada lote custava entre R$ 4 mil e R$ 8 mil, com prestações de R$ 300 e R$ 500. 

JUSTIÇA: SÓ UM LOTEAMENTO RENDERIA R$ 14 MILHÕES À QUADRILHA

Área ‘imobiliária’ era a mais rentável para o bando, ao lado do transporte ilegal

No processo que levou Luiz Monteiro da Silva à condenação, as provas obtidas pela Polícia Civil revelam como age e lucra a milícia da Chacrinha. A apuração constatou que a quadrilha invadiu e colocou centenas de lotes à venda nas comunidades. Só na Urucuia são mais de dez endereços e, em um deles, fica a Favela Sem Teto, que em 2010 foi ampliada sobre a mata, onde surgiram dezenas de barracos e algumas construções mais sofisticadas.

A documentação obtida pelo Núcleo de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro constata, ainda, que Doem tem muito mais patrimônio do que a renda obtida como policial. Ele aparece como dono de quatro casas, 22 quitinetes, um apartamento, dois terrenos, quatro carros e uma moto.

Seu sócio, João Bosco, declarava na Receita Federal um patrimônio simplório até 2008 — R$ 12 mil —, quando surge como dono de um terreno avaliado em R$ 1,8 milhão. Melhor: o negócio fora fechado no cartório e o valor foi pago em dinheiro vivo.

Para os agentes não resta dúvidas de que o dinheiro para a compra do terreno veio de Doem e que a ideia de fazer um condomínio de classe média era, na verdade, uma forma de dar uma cara legal (lavagem) ao dinheiro obtido ilicitamente com a milícia. Lucro da venda de gás, gatonet, segurança privada e, principalmente, com o transporte complementar clandestino.

Só com o loteamento da Rua Tejo, a Justiça estimou que a quadrilha de Doem faturaria algo em torno de R$ 14 milhões. Cada um dos 240 lotes custava R$ 60 mil.

Considerada a mais rentável fonte de renda da quadrilha — ao lado da venda de terrenos invadidos — o transporte de Kombis chamou a atenção dos policiais. É que, no papel, o dono da Cooper Brim Cooperativa de Transporte Alternativo é João Bosco. Mas o endereço que consta na Junta Comercial como sede da empresa é uma das casas de Doem. Na prática, mais uma vez o sócio é usado como laranja na empreitada por Luiz Monteiro.

Ao falar na Corregedoria da PM sobre a relação e como obteve tantos bens, Doem admitiu que o centro social e lojas na Rua Urucuia foram construídos em uma área invadida na favela e que os quitinetes foram erguidos com seu próprio esforço ao longo de 15 anos.

A tomada de áreas pela quadrilha segue uma conduta básica da grilagem de terra: em pelo menos duas áreas, dois amplos terrenos na Rua Urucuia — que pertenceram a uma construtora falida e a uma casa de repouso — se transformaram em centenas de casas e algumas delas hoje pertencem aos próprios milicianos.

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