Por nicolas.satriano

Rio - Além de conviver com tiroteios quase diários nos últimos três meses, moradores do Complexo do Alemão também sofrem com a perda de serviços e ações sociais que chegaram com a ocupação policial a partir de 2010. Empresas têm retirado o patrocínio de projetos e o governo estadual, transferido cursos de capacitação para outros lugares, por conta da violência na região.

A Secretaria Estadual de Cultura retirou quatro projetos de capacitação da Biblioteca Parque do Alemão, inaugurada no ano passado, e transferiu-os para a Biblioteca de Manguinhos. O curso de Mediação de Leitura, que iria começar no último dia 28, mudou na última hora de local, segundo a diretora da biblioteca, Alexandra Silva, por conta da insegurança.

O mesmo ocorreu com o Laboratório Editorial, que ensinava técnicas de edição e produção de textos aos moradores. De acordo com a secretaria, ele foi transferido para Manguinhos, quando faltavam apenas quatro aulas para a finalização do projeto, iniciado em novembro. O curso de Circulação Teatral, que iria apresentar três peças em março e abril, também foi levado para fora do Complexo.

Empresas suspenderam verbas de projetos locais. A Kibon retirou patrocínios%2C como o da manutenção do teleférico%2C símbolo da pacificaçãoPaulo Araújo / Arquivo Agência O Dia

O projeto Formação e Circulação Musical, que capacitava jovens para o mercado musical, também foi transferido. Como contrapartida, o governo reservou vagas exclusivas para moradores da comunidade. “A ideia é retornar em breve com este projeto ao Alemão”, informou, em nota, a secretaria de Cultura.

O curso de moda Favela Fashion, que treinava moradores para a indústria da moda, também interrompeu as aulas, depois que, por diversas vezes, os alunos ficaram presos na sala de aula por conta das trocas de tiros.

Fundadora do Espaço Democrático de União e Aprendizagem do Alemão (Educap), Lúcia Cabral, diz que os cursos de capacitação de auxiliar administrativo e de departamento pessoal, feitos em parceria com a Unisuam, também não continuaram neste ano. “Disseram que os professores estavam com medo de vir para cá”, contou.

A Kibon também retirou patrocínio dos cursos de idiomas, de exposições e até da manutenção do teleférico. Em nota, a empresa disse que não tem mais exposição de sua marca desde novembro no Alemão “devido ao término do contrato”, mas que continua investindo na relação “a longo prazo” .

Em Ramos%2C imóvel exibe anúncios de venda%3A só em março foram 75André Mourão / Agência O Dia

Comerciantes também viram seu sonho de ter novos quiosques na Estação do Teleférico de Palmeiras desmoronar. A Cervejaria Itaipava, que desenvolvia um projeto de cerca de R$ 600 mil para construir 32 unidades acabou desistindo. Segundo o presidente da Associação de Moradores de Palmeiras e interlocutor das negociações, Marcos Valério, devido à violência.

“Eles me falaram que iam esperar as coisas melhorarem. Não pude nem argumentar. Eles estão certos. Para que botar infraestrutura em um lugar perigoso que não aparece ninguém para comprar?”, disse. A Itaipava negou que a causa da desistência tenha sido a violência, mas não informou outro motivo.

Imóveis no entorno da comunidade se desvalorizam

Nas ruas do entorno do Complexo do Alemão, a cada esquina é quase impossível não encontrar placas com os dizeres: “Vende-se”. O desejo de grande parte dos donos de imóveis da região é se afastar da violência que respinga também em quem vive fora das comunidades.

De acordo com o Sindicato da Habitação (Secovi Rio), em março foram postos à venda 257 imóveis nos bairros de Ramos (75), Olaria(111) e Bonsucesso (71).

Além da violência e dos tiroteios, os proprietários convivem com a desvalorização dos imóveis. Um apartamento de 70m², dois quartos e uma vaga na garagem, na Rua Major Rego, em Ramos, está à venda por R$ 260 mil. Um imóvel, nas mesmas condições, no bairro vizinho de Maria da Graça é negociado por R$ 315 mil.

O DIA percorreu ruas como Major Rego, Paranhos, Uranos e Paranapanema para conversar com moradores que estão vendendo suas casas. Por medo, poucos quiseram falar. “Tem UPP, mas toda hora acontecem tiroteios. Parece que até mais do que na época em que não havia pacificação. Preciso pensar no bem-estar da minha família”, contou um proprietário, que tenta sair de Bonsucesso.

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