Rio - Passava das 19h30 da quarta-feira quando eles se acomodaram ao redor de três mesas postas juntas, num bar da Rua Nelson Mandela, em Botafogo. Lideranças do Movimento Brasil Livre (MBL) do Rio estavam ali não para confraternizar: acertavam os últimos detalhes do protesto de hoje, às 14h, em Copacabana. Nele, pedirão, mais uma vez, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT).
Cada vez mais articulados nas redes sociais, os manifestantes voltam às ruas neste domingo, mas não conseguem se entender. Embora todos sejam anti-PT, o Vem Pra Rua e o Revoltados On Line, outros dois movimentos responsáveis pela convocação dos protestos, vão fazer sua passeata ao meio-dia, também na orla de Copacabana.
A divisão dos grupos tem motivo: o Vem Pra rua e o Revoltados são contra a participação dos defensores da volta dos militares. Já o MBL aceita caminhar ao lado de quem pede intervenção das Forças Armadas para tirar o PT do poder. “Se eu pudesse, faria o PT desaparecer do mapa”, afirma Thomaz Saboia, 39 anos, Relações Internacionais.
Foi a primeira vez que ele se reuniu com outros membros do núcleo duro do MBL no Rio. O grupo começou a se articular no estado há quatro meses, unido pelo sentimento de ódio ao PT “e a outros partidos de esquerda também”, acrescenta o empresário Safe Sattam Júnior, 33, filiado ao PSDB.
“Todos os que participaram do Foro de São Paulo deveriam ser exterminados, acabar, sumir do país”, afirma Lorraine Alves, 35 anos, responsável pela administração do Brasil Livre no Rio. Ela se refere à organização que agrega partidos de esquerda da América Latina, como o PT e o PC do B.
O discurso radical tem levado o MBL a conquistar adeptos. Na Baixada Fluminense, são dois “diretórios”, dos sete que estruturaram no Rio de Janeiro. A estimativa é que cada diretório reúna 50 pessoas, “irradiadoras” para a comunidade.
Dinheiro para organizar os protestos não tem sido problema. Para hoje, desembolsaram com caminhão de som R$ 10 mil. Parte veio de um americano e de um empresário brasileiro. A organizadora Lorraine não revela seus nomes. “Perdemos a vergonha de pedir dinheiro e vender camisas do MBL”, diz ela.
O discurso de moralidade que serve para o pedido de afastamento da presidenta, entretanto, não vale para o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), e da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha(RJ) — ambos do PMDB e investigados na Operação Lava Jato. “O PMDB é importante para conseguirmos o impeachment”, alega a economista Maria Fernanda Gomes, 31, coordenadora do MBL no Rio. “O PT é um monstro ideológico; o PMDB, não”, diz Thomaz.
Criador do Vem pra Rua é ligado ao PSDB paulista
O suposto envolvimento com o PSDB denunciado por integrantes de grupos pró-impeachment — como informou O DIA na sexta-feira — não é a única polêmica que atinge o movimento Vem pra Rua, do empresário paulista Rogerio Chequer.
Sua proximidade com tucanos não é secreta, como mostram fotos de seu perfil no Facebook. Menos claras, contudo, são as circunstâncias que o trouxeram de volta ao Brasil, após duas décadas nos Estados Unidos, como sócio de milionários. Nem o motivo de o seu nome aparecer, em 2012, na lista de clientes da americana Stratfor, uma empresa privada de inteligência e investigação, segundo o site Wikileaks.
Num texto no site do Vem pra Rua, Chequer explica que contratou boletins de conjuntura da Stratfor por interesse profissional. Nesse período, porém, segundo o próprio Chequer, ele não estava trabalhando.
O DIA o procurou ao longo da semana para que o empresário atendesse a reportagem e falasse sobre sua relação com a Stratfor e os tucanos. Chequer não atendeu, no entanto, as ligações.
Apologia à ditadura
Nas redes sociais, o perfil dos que defendem a volta dos militares ao poder não varia muito: xingamentos contra o PT, Lula e a Dilma; apologia aos “bons tempos” da ditadura militar; ofensas a homossexuais e, por vezes, exaltação de políticos de oposição ao governo, como os do PSDB e do clã Bolsonaro.
No Facebook, grupos com atuação no Rio se unem para articular em conjunto, como o Intervenção Militar Única Saída, que tem cerca de 4.500 integrantes. Com desempenho destacado, o Resistência RJ esteve no dia 15 de março em Copacabana, e depois puxou ato da Candelária até o Comando Militar do Leste para pedir “pessoalmente” o retorno dos militares ao poder.
“Não somos um país de idiotas. Ninguém em sã consciência defende ditadura, mas alguém precisa intervir”, argumentou, por e-mail, Ilze Papazian. No Facebook, ela administra o grupo Resistência RJ, com 18 integrantes. Entre eles, Eron Melo, conhecido como o Batman das manifestações. “Não defendemos nenhuma sigla partidária. Procuramos homens e projetos na política que levem o país ao rumo certo. Aécio ainda não usou todas as armas que possui”, escreveu Ilze.
A representante do grupo se disse contra casamento entre homossexuais e legalização do aborto e da maconha. Sobre a tortura na ditadura, resume: “mentira”. “O Brasil caminha para um sistema comunista de escravidão, cerceamento da liberdade de escolha e de opinião”, diz.