Por nicolas.satriano

Rio - Nem mesmo o aparato de segurança com mais de 300 homens formado pela Polícia Civil e pelo reforço de PMs vindo de várias UPPs da cidade, como Cidade de Deus, acalmou o clima tenso no Complexo do Alemão para as reconstituições das mortes do menino Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, da dona de casa Elisabete de Moura Francisco, 41, e do capitão PM Uanderson Manoel da Silva, 34, realizadas nesta sexta-feira. No fim da tarde, o patrulhamento foi reforçado e a área isolada na localidade do Areal, onde acontecia a reprodução da morte de Eduardo, ampliada, depois da chegada dos 11 PMs envolvidos no caso.

Eles estavam escoltados e encapuzados. Antes da chegada deles, a família do menino foi retirada do local. A Divisão de Homicídios (DH) ainda avalia a realização de uma acareação entre a mãe de Eduardo, Terezinha Maria de Jesus, que acusa um PM de ter atirado em seu filho, e os policiais.

O delegado Rivaldo Barbosa comanda, na porta da casa onde vivia a família de Eduardo, no Complexo do Alemão, a reconstituição da morte do meninoSeverino Silva / Agência O Dia

Os pais e irmãos de Eduardo foram às lágrimas ao voltar ao local da morte do menino, ocorrida no último dia 2. Eles precisaram ser amparados e confortados pelos vizinhos. A família já se mudou para o Piauí, onde Eduardo foi enterrado, e voltou ao Rio para a reconstituição.

A ação da polícia no complexo contou com oito delegados e seis peritos. Nos três casos, a intenção era precisar de onde partiram os disparos. Para um resultado mais fidedigno, a simulação da morte de Eduardo foi realizada às 17h30, horário em que foi atingido por um tiro na cabeça. “Queremos as mesmas condições de luminosidade e visibilidade”, explicou o delegado titular Rivaldo Barbosa.

Reconstituições das mortes de Eduardo Jesus%2C Elizabeth Moura%2C e do ex-comandante de UPP%2C capitão Uanderson Silva%2C mobilizaram 120 policiais e oito delegadosCarlos Moraes / Agência O Dia

Pouco antes da área ser interditada, os pais do menino desabafaram quanto ao desfecho do caso. Decididos a voltar para o Piauí, eles torciam pela identificação e condenação do assassino. “Posso sair do Rio de Janeiro, mas a imagem do meu filho com o crânio esfacelado no chão, nunca deixará a minha memória. É o pior acontecimento da minha vida; ele (o assassino) vai pagar por isto”, desabafava entre lágrimas José Maria de Souza, pai da criança. Na parede da casa de pouco mais de 30 metros quadrados, a imagem da família permanecia na parede.

A mãe de Eduardo, Terezinha, de volta à sua casa, por pouco tempo Severino Silva / Agência O Dia

Terezinha de Jesus, voltou a afirmar que não houve troca de tiros no dia da morte de Eduardo. “Foi um único disparo. Depois de ver meu filho morto, fui ameaçada pelo policial. Por isto, ele não mostra a cara”, disse enquanto segurava a flauta do menino, presente do último Natal. “Ele estava aprendendo a tocar um instrumento. Era a realização de um sonho”, completou. Os vizinhos repetiam a versão. “O PM viu o menino e atirou a esmo”, garantiu uma amiga da família.

Jornalistas foram mantidos a cerca de 50 metros do Beco da Lagoinha, rua em que Eduardo foi alvejado. Em nome da confidencialidade, o delegado chegou a pedir para que helicópeteros não se aproximassem do cenário da reprodução.

Viúva vai ao Alemão

No final da manhã, os peritos ouviram sete policiais militares que faziam parte da guarnição do capitão Uanderson da Silva, então com 34 anos. Em 11 de setembro de 2014, o comandante liderava um grupo de 12 policiais que trocaram tiros com traficantes, no Largo da Vivi. No Beco do Gomes, ele foi baleado pelas costas. Investigações levantaram a hipótese de que o tiro que atingiu o capitão tenha sido disparado por outro PM.

A mãe e a esposa de Uanderson, que também é oficial da PM, acompanharam a reconstituição. Maria Glória da Silva foi ao local exato em que o filho caiu ferido e fez uma oração.

Bianca da Silva, viúva de Uanderson, disse que ao chegar à escada em que o marido caiu, passou um filme da história deles em sua cabeça. O casal tem uma filha de oito anos, que tem medo de que o mesmo que ocorreu com o pai aconteça com a mãe. A policial disse ainda que seu marido, Eduardo e Elizabeth são vítimas da cultura da violência. “Minha dor é a mesma da mãe do Eduardo e da filha da Elizabeth. Todos somos vítimas da cultura da violência”, afirmou Bianca.

A reconstituição demorou cerca de três horas. Foram ouvidos sete policiais militares, um por vez. Os PMs utilizaram capuz para não ter as identidades reveladas. De acordo com os peritos, os laudos devem ficar prontos em 30 dias. “Não podemos ser precipitados em apontar A, B ou C. Trabalhamos com paciência para chegar à verdade”, disse o diretor da Delegacia de Homicídios, Rivaldo Barbosa.

Indenização para famílias

O governador Luiz Fernando Pezão se encontrou com as famílias de Eduardo e Elizabeth, na noite de anteontem, no Palácio Guanabara, e afirmou que irá indenizar as famílias quando as investigações estiverem concluídas. No encontro, Pezão disse ainda que o Estado vai continuar arcando com as despesas da família do menino, que está hospedada em um hotel na cidade.

A Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos também está prestando assistência às duas famílias. Ainda de acordo com o governador, será adotado rito sumário na liberação dos recursos das indenizações.

“Foi um encontro muito triste. Lamento profundamente a dor das famílias. Sei que qualquer quantia não vai reparar a perda, o dano, aliviar a dor, o sofrimento dos pais, filhos e marido, mas a indenização é o mínimo que o Estado pode fazer para ajudar as famílias a reconstruírem suas vidas.”

Local onde morreu Eduardo é temido pelos policiais

Questionado quanto à eficácia da política de pacificação atual, o delegado Rivaldo Barbosa ressaltou o trabalho feito ontem. “Antes das UPPs, era inviável realizar três reconstituições de morte ao mesmo tempo no Complexo do Alemão. Mais do que isto, não conseguíamos nem acessar esta região (Areal)”.

A localidade onde Eduardo morava é considerada uma das mais perigosas do conjunto de favelas pelos próprios policiais. “Fazemos rodízio nas rondas noturnas. Poucas coisas são consideradas tão ruins na nossa rotina quanto andar por aqui”, afirmou um policial da UPP local.

O motivo dos temores é a geografia do local, onde ruelas estreitas e íngremes se fundem à mata. Para completar, o local fica ‘cara a cara’ com a cimunidade conhecida como Nova Brasília, igualmente perigosa.

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