Rio - A barbeiragem na compra de sete embarcações por R$ 300 milhões, feita pelo governo do estado para a CCR Barcas operar a travessia Rio-Niterói, virou alvo de investigação do Ministério Público do Rio (MPRJ). Os problemas da nova aquisição foram mostrados na semana passada pelo DIA, com os resultados do primeiro mês de operação da gigante Pão de Açúcar. Além de o tempo de viagem ter aumentado de 15 para 25 minutos, o custo operacional é maior do que o das antigas barcas.
A coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania (CAO Cidadania), Patrícia Villela, encaminhou as denúncias publicadas para ser analisadas por uma das oito Promotorias de Justiça de Cidadania da Capital. Se forem identificadas irregularidades na compra, a apuração pode ser transformada em ação civil pública, e os responsáveis, denunciados por improbidade administrativa.
“Será analisado se houve dolo (intenção), por quem projetou e autorizou a aquisição”, explicou o advogado Luiz Paulo Viveiros de Castro, especialista em Direito Administrativo. Segundo a Lei 8429/92, comete ato de improbidade administrativa quem causa lesão ao erário público. As punições incluem ressarcimento aos cofres do governo e suspensão dos direitos políticos por oito a dez anos.
Em nota, a Secretaria estadual de Transportes informou que vai aguardar a apuração do Ministério Público e que está à disposição para prestar qualquer esclarecimento. Na quarta-feira, o gestor da pasta, Carlos Osorio, reforçou que a barca Pão de Açúcar ainda está em fase de operação assistida. Ele nega que a nova embarcação — cujo projeto foi feito por técnicos da gestão anterior, do então secretário Júlio Lopes, que atualmente é deputado federal — tenha custo operacional por passageiro maior do que os catamarãs atuais.
“Se é a melhor barca do mundo, eu não sei. Mas a embarcação não é ruim. Ela atende perfeitamente ao serviço”, declarou Osorio, que, quando perguntado se escolheria esse modelo se a decisão fosse em sua gestão, respondeu: “Não tenho certeza.” Ele garantiu que a fabricante chinesa cumpriu as especificações técnicas indicadas e que sempre há ajustes a fazer no projeto.
O DIA revelou que a CCR pede ao governo novo reajuste de tarifas alegando defasagem em relação aos custos, que teria sido agravada com a nova barca. Osorio, no entanto, afirma que as críticas à embarcação são parte das pressões por aumento.
Especialistas criticam escolha do modelo, que vai gerar mais custos
No decorrer da série de reportagens, O DIA mostrou que a Barca Pão de Açúcar está se tornando um ‘elefante branco marinho’. Em alguns casos, o tempo de viagem chega a ser o dobro dos catamarãs sociais, que fazem a travessia em 15 minutos.
O custo operacional do equipamento também preocupa: 50% a mais que os catamarãs. Isso sem contar que, no primeiro mês de operação, a ocupação só contou com 30% da capacidade total, de 2 mil lugares.
Os problemas não param por aí. As embarcações são grandes demais e não cabem no estaleiro, que vai precisar de reformas. No entendimento do secretário Carlos Osorio, esses investimentos devem ser feitos pela concessionária, mas há um aditivo no contrato de concessão que indica que cabe ao governo fazer essa reforma.
As plataformas e as estações também terão que passar por obras para permitir mais rapidez no embarque e desembarque das novas barcas, mas até agora a CCR, a Secretaria e a Agetransp não informaram o valor demandado e nem quem vai pagar a conta.
Ao longo de um mês, O DIA ouviu quatro especialistas em mobilidade: Alexandre Rojas, Fernando Mac Dowell, Aurélio Lamare Soares Murta e Alcebíades Fonseca. Todos concordam que o projeto da barca é um erro. “A gente espera que o Ministério Público apure o caso e puna os responsáveis”, considerou Alcebíades Fonseca, do Clube de Engenharia.
Associação de Usuários pede CPI
O diretor da Associação de Defesa dos Usuários de Transportes (Adut-RJ), Vagner Fia, defende que seja instaurada uma CPI para investigar a compra das novas barcas. Ele também questiona o contrato de concessão e a nomeação da direção da Agetransp (órgão regulador que fiscaliza as concessões de transporte e autoriza aumento de tarifas) ser feita pelo governador.
“O Júlio Lopes (ex-gestor da pasta) nunca teve capacidade técnica para ser secretário de Transportes. Agora que viram que essa barca é muito cara, vão querer aumentar a passagem. E, se isso acontecer, pode esperar novas manifestações populares”, prometeu.
Ano passado, quando estava à frente da Secretaria estadual de Transportes, Júlio Lopes foi denunciado pelo Ministério Público à 3ª Vara de Fazenda Pública por improbidade administrativa. O juiz Alexandre Mesquita rejeitou a ação civil pública. Porém, os desembargadores da 10ª Câmara Cível derrubaram a decisão do magistrado. A denúncia contra o hoje deputado federal do PP pede ainda ressarcimento de R$ 6, 3 milhões aos cofres públicos.
A ação ainda culpa Lopes pelo acidente com o bonde de Santa Teresa, que causou seis mortes e deixou 57 feridos em 2011. Também são réus o então presidente da Companhia Estadual de Engenharia de Transporte e Logística (Central), Carlos Eduardo Carneiro Macedo, e a então diretora de Engenharia da empresa, Ana Carolina Vasconcelos. Eles responderão por danos financeiros ao Estado, obrigado a pagar indenizações às vítimas. O deputado Júlio Lopes foi procurado, mas não respondeu até o fechamento desta edição.
Cai o número de passageiros
De acordo com a Agetransp, houve uma redução de cerca de 15% na demanda das barcas nos dois primeiros meses deste ano, se comparado com o mesmo período de 2014.
Especialista em Mobilidade da Uerj, Alexandre Rojas tem uma explicação: “Subestimaram a importância dos ônibus.” De acordo com Rojas, a diminuição de passageiros está ligada às mudanças nos pontos dos coletivos no Centro do Rio e ao fechamento do Mergulhão da Praça 15. “O passageiro de Niterói e São Gonçalo vai dar preferência a usar os ônibus intermunicipais, claro. A tendência é piorar.”
Osorio reconhece que a maior distância dos pontos de coletivos da estação da Praça 15 contribui para a queda da demanda. Ele diz, no entanto, que, a partir de 2016, com o VLT ao lado das barcas, essa demanda será recuperada.
O engenheiro Fernando Mac Dowell lembra que, na década de 1970, o sistema aquaviário chegava a transportar 200 mil passageiros por dia. “Passados mais de quarenta anos, hoje o governo comemora que transporta a metade. Como isso?”, ironizou. O especialista aponta a integração dos modais como única solução possível. Para ele, além de linhas de ônibus, é preciso que o metrô chegue até a Praça 15. “A questão da demanda das barcas só pode ser estimulada com o prosseguimento da viagem”, garantiu Mac Dowell.