Por nicolas.satriano

Rio - As caixas de som na quadra do Chapéu Mangueira, no Morro da Babilônia, Leme, não se limitam mais ao pagode e ao gospel. Depois de 20 anos à base do proibidão, o funk voltou a ecoar livre, leve e solto na favela que é cenário da novela das nove. No passado, a comunidade foi responsável por fazer o ritmo descer para o asfalto, ainda nos anos 1990.

Sem a influência do tráfico de drogas, a festa voltou com status de movimento cultural. Neste domingo, O DIA encontrou antigos frequentadores, que retornaram com seus filhos, adolescentes como eles, quando subiam o morro décadas atrás.

A socióloga Marielle Franco, do Complexo da Maré, levou a filha Luyara Santos, de 16 anos. “Vim no carro contando, emocionada, como foi minha adolescência, nos bailes aqui”, lembrou.

Público da favela e do asfalto fez a quadra do Chapéu Mangueira ferver%2C com o funk reinando na pista em grande estilo%3A DJs se revezaram para tocar vários sucessosPaulo Araújo / Agência O Dia

Também emocionado estava o DJ Raoni Mouchoque, 36. Para ele, que tem lembranças das festas que ia aos 14 anos, a celebração tinha o ritmo da vitória: o retorno do baile foi resultado de um esforço seu, como um dos responsáveis pela elaboração do projeto financiado pela Secretaria Estadual de Cultura. “É a luta de uma vida”, resumiu o DJ, que tocou na festa. O baile no Chapéu é um dos 15 eventos patrocinados pelo Governo do Estado. Cada um recebeu R$ 20 mil para três festas — a próxima na favela será dia 6 de junho.

A ideia, segundo o coordenador do programa da Secretaria de Cultura, Tiago Gomes, é que as festas, a partir da terceira edição, sigam seus próprios passos. É o que já ocorre na Chatuba, no Complexo da Penha, onde desde março há bailes todos os sábados. “Queremos provar que é um movimento cultural com vida própria”, disse, lembrando que agora o evento não se encerra mais às 22h.

DJs Baré e Raoni comandaram as carrapetas na reestreia do bailePaulo Araújo / Agência O Dia

Neste domingo, enquanto funks da década de 1990 tocavam, muitos se abraçavam e choravam na pista. “Cresci subindo o morro, tive amigos aqui. Eles me apresentaram o funk. Era outro clima”, lembrou o DJ Kymbo, 33, morador do Leme. Outra que bateu ponto na quadra da Faetec foi a DJ Vivi Seixas, filha de Raul Seixas (1945-1989). “Ia a bailes escondida da minha mãe”, disse.

“É emocionante reviver isso. Lembro de uma época que o trânsito na Zona Sul parava por causa dos bailes do Chapéu”, lembrou Dom Negrone, rapper que ontem foi mestre de cerimônia. “É a vitória da cultura”, comemorou.

Incentivo para produções

O jornalista e produtor cultural Julio Ludemir, idealizador da Batalha do Passinho, comemora o investimento e a realização dos bailes, que, para ele, “é onde tudo começa e termina”, nas favelas. “Os bailes fortalecem o funk — que hoje tem tido mais expressão em São Paulo — e incentivam toda uma cadeia produtiva”, diz.

Ainda de acordo com Ludemir, liberados novamente e mais do que fomentar a cultura, os eventos ajudam na pacificação, pois ampliam as possibilidades para os jovens. “O adolescente tem mais opção que o tráfico ou a igreja.

“E o melhor: o tráfico não faz mais da festa uma plataforma da narcocultura, já que era tradicionalmente usada para este fim. Funk é cultura e identidade”.

Você pode gostar