Rio - Três décadas de sofrimento, angústia e incerteza. Três décadas de desencontro, desinformação e saudade. O reencontro da dona de casa Edna Gomes de Oliveira, de 50 anos, com a filha Liliam Altuntas, de 36, aconteceu na última quarta-feira, na humilde residência da mãe, na Vila São Jorge, em Queimados, Baixada Fluminense.
Sob aplausos e lágrimas de vizinhos e parentes, Edna e Liliam trocaram longos abraços, enxugaram as lágrimas uma da outra e prometeram nunca mais se separar. Sem ver a mãe desde 1 ano e meio de idade, Liliam, que passou a vida ouvindo da família paterna que havia sido abandonada por Edna, teve a chance de escutar a outra versão.
“Nunca abandonei você. Quando fiquei grávida do seu pai, ainda menina, fui abandonada por ele e também pela minha família. Não tinha para onde ir. Eu era uma criança com outra no colo. Fui desprezada por todos. Pela família e pela sociedade”, conta Edna.
Longe da mãe desde o fim dos anos 70, Liliam foi criada por um tio paterno, no Recife, por quem foi abusada sexualmente até a adolescência, e de quem teve o primeiro filho. A história de Liliam, que ainda inclui fome, miséria, tráfico de crianças para o exterior e prostituição foi contada com exclusividade pelo DIA em 22 de março (veja quadro ao lado). O reencontro entre Edna e Liliam, que hoje vive na Itália, foi promovido pela TV Record, que exibirá a reportagem neste domingo, no programa Domingo Show.
“Nunca deixei de pensar em você. E sofria sozinha porque sempre fui renegada. Em vários momentos eu senti saudade. Em todo Natal eu pensava se você estava bem ou não, em que lugar você deveria estar. Eu sofria calada. Era uma angústia danada. Não falava com ninguém, só com Deus. Pedia a Ele para cuidar de você. E pelo visto, cuidou”, declarou Edna, aos prantos, diante da filha.
Com problemas de locomoção devido a um atropelamento que deixou sequelas em sua perna esquerda, e sem a visão do olho esquerda, perdida após sofrer uma agressão de um ex-companheiro violento, Edna implorou por perdão. “Imagino o seu sofrimento e te peço perdão. Mas você não faz ideia do quanto eu também sofri”, contou, ainda no primeiro abraço.
O pedido nem era mais necessário. Liliam já havia perdoado a mãe antes mesmo do reencontro. As mágoas e as dores de uma vida cercada de sofrimento já eram coisa do passado para a confeiteira. A intenção de Liliam era virar mais uma página de sua vida e dar mais um passo adiante no processo de reconstrução de sua identidade. Para isso, reencontrar a mãe era parte fundamental.
“Perguntava a todo mundo que um dia conheceu minha mãe como ela era,se parecia comigo, se estava bem. Eu queria apenas sentir o cheiro da minha mãe, pois perdoar eu já tinha perdoado. E agora que a gente se encontrou, está tudo ótimo. Nunca mais vamos nos separar”, prometeu Liliam, nos braços da mãe.
Filha quer levar a família para a Itália
Instantes após o reencontro e os primeiros beijos e abraços, a primeira atitude de Liliam, ao ver as condições precárias onde vive a mãe, foi convidá-la para morar em Turim, junto com seus irmãos Jéssika e Edson. Edna agradeceu, mas recusou o convite por medo de avião e o receio de largar tudo o que tem no Brasil, apesar de pouco, para recomeçar a vida do zero na Europa.
“Tenho medo de morrer lá. Quero morrer na minha terra. Apesar de tudo, amo isso daqui. Não saberia viver em outro lugar”, disse Edna, sem mostrar muita convicção. Afinal, depois de tudo o que aconteceu nos últimos dias na vida das duas mulheres, nada mais pode ser considerado impossível.
Uma história recheada de sofrimento e superação
A vida de Liliam Altuntas foi contada pelo DIA numa reportagem especial publicada em março. Após se separar da mãe e ter sido criada pelo tio que a abusou sexualmente, Liliam foi morar nas ruas do Recife, onde passou fome, catou comida em lixões, usou drogas e roubou para sobreviver.
Na pré-adolescência, foi “acolhida” por uma família de Fortaleza, mas quando chegou à capital cearense, viu que havia se tornado vítima de uma quadrilha que explorava sexualmente jovens e crianças. Do prostíbulo, voltou ao Recife, mas foi novamente recapturada e mandada à Europa.
Depois de passar por Alemanha e Turquia, encontrou um porto seguro na Itália, onde casou, teve mais quatro filhos e montou uma confeitaria de sucesso em Turim. No ano passado, após ser eleita empresária estrangeira do ano, decidiu contar sua história ao DIA para poder reencontrar a mãe.