Por nicolas.satriano

Rio - Passar um terço da vida sobre os trilhos da SuperVia é a única chance concreta de ascensão profissional do ajudante de produção Robson Salvati, 20 anos. Melhor: a oportunidade de fugir da linha da pobreza e escapar dos salários quase sempre abaixo do mínimo pago a boa parte dos trabalhadores de Japeri. Mas o sonho tem um preço muito caro. Robson se submete uma rotina muito além da jornada de oito horas de serviço. Acorda às 3h e percorre perto de dois quilômetros a pé para dar a largada, na estação ferroviária, na sua corrida maluca matinal para chegar no emprego, no Leblon — praticamente do outro lado do Rio —, duas horas depois.

Rita Ferreira Lima tinha certeza que o melhor caminho era se esforçar para garantir os estudos da filhaJoão Laet / Agência O Dia

Não só. Robson vai acompanhado de pelo menos outros 50 companheiros das obras de expansão do Metrô. Todos de Japeri. É o ‘vagão da Linha 4’ em busca de um lugar melhor ao sol. Aliás, eles sempre chegam bem antes de o dia amanhecer e refazem uma parte do caminho de volta para casa na escuridão. São mais três horas e meia para Robson colocar os pés em Japeri. E nada de moleza. Vai direto para a sala de aula na tentativa de concluir o supletivo do Ensino Médio. Chegar em casa, só mesmo depois das 22h. Não à toa, Japeri é a cidade do Brasil onde os moradores levam mais tempo para chegar ao trabalho.

O que é realidade para Robson é estatística para os pesquisadores do Ipea. Donos dos menores salários pagos na Região Metropolitana, os moradores dos seis bairros mais pobres do Rio de Janeiro declaram que recebem em média R$ 150 por semana (R$ 600 por mês). A maioria sem carteira de trabalho assinada. A renda média per capita oficial é de apenas R$ 331, 47 e o salário, R$ 685,93 (de acordo com o levantamento, feito em 2010).

A dona de casa Maria Cristina Santos%2C de 68 anos%2C teve 25 filhos. Os 12 que criou são marcados pela baixa escolaridade e a falta de trabalho com carteiraJoão Laet / Agência O Dia

Robson há cinco meses vivia com o salário mínimo de Japeri. Recebia R$ 600 por mês pelo trabalho de vendedor em uma loja no Centro. Bem abaixo dos R$ 953,47 do mínimo regional. Até que apareceu a dica de um parente. Nem pestanejou. A oferta era de R$ 1.151, além de R$ 550 de ajuda de transporte e alimentação — auxílios nunca visto nos seus dois anos de emprego no município. “Já é difícil conseguir um emprego na Baixada. Em Japeri, nem se fala. Quando se consegue, é numa lojinha”, detalha o ajudante de produção, que no passo seguinte busca um trabalho estável.

Estabilidade nunca vista pelos 12 dos 25 filhos criados de Maria Cristina Santos, 68 anos. Todos vivem de pequenos bicos que nunca passam de R$ 40 por dia. E quando conseguem emprego três vezes por semana se dão por satisfeitos. Os netos mais velhos, seguem na mesma direção. Só um conseguiu serviço fixo, assim mesmo por R$ 600 ao mês.

Robson sai de casa sempre às 3h30 e vai de trem até São Cristóvão. De lá%2C troca de modal e segue de ônibus até o LeblonJoão Laet / Agência O Dia

“Dão almoço e café da manhã”, se antecipa a primogênita Lucimar França Santos, ao defender o emprego do filho, que vai de bicicleta de casa, no bairro Santa Amélia, até o Centro de Queimados — município vizinho. “Não dão vale-transporte. É muito difícil alguém pagar um salário e assinar a carteira”, emenda Lucimar.

Outro fato do cotidiano explícito na casa de Maria Cristina é a baixa escolaridade. Poucos conseguiram ir além da 5ª série. O pior é que abandonaram o estudo pela necessidade de aumentar a renda familiar.

Jovem estudou, mas família só tem renda de R$132

A esperança da dona de casa Rita Ferreira de Lima, 60 anos, escapar da pobreza resumiu-se durante a sua vida na formação da filha mais velha Mirian Ferreira, 23. Foram anos de dieta forçada sem proteínas e dormindo num barraco feito de bambu e janelas de plástico, até ver a menina de “beca” na formatura do ensino médio. Mas a alegria ficou pela metade: desde a conclusão do estudo, há dois anos, a estudante está na fila do emprego. Espalhou currículos em lojas, mercados e empresas da região. Mas nada até agora. E a única renda continua a ser os R$ 137 de Bolsa Família e as doações de vizinhos do bairro Santo Antônio.

“Já teve dia de não ter o que comer, só beber água. Pensei que iria melhorar após minha filha se formar, mas continua muito difícil”, recordou Rita. Luta não faltou. Foram noites sem dormir trabalhando como diarista, dias capinando e refeições à base de arroz, feijão e angu para conseguir alguns trocados a mais, o suficiente para comprar o material escolar da filha. Sem contar as noites de chuva sem dormir.

O perigo de enchentes a mantinham acordada tomando conta das crianças e com medo de perder o único bem adquirido: um sofá. As duas filhas até hoje dormem no chão e os dois netos, em camas improvisadas.

E se enganam quem inclui Rita na lista de exceção. Segundo o Ipea, 49,40% dos moradores dos seis bairros com os piores índices de qualidade de vida do estado são vulneráveis à pobreza. E, assim como Mirian, outros 12,81% não conseguem trabalho. Uma dureza que, no caso de Rita, desperta a mobilização da comunidade. Graças a doações de uma igreja e de voluntários, sua residência agora tem paredes de alvenaria e janela de ferro — só que sem vidros. Mas Rita segue acreditando em Mirian.

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