Por nicolas.satriano

Rio - De um lado, o mar. Do outro, o deserto. Banhado por nada menos do que sete rios - entre eles o Guandu, responsável pelo abastecimento de 85% dos domicílios no Grande Rio -, Japeri tem na água encanada um divisor na lista de reivindicações dos moradores. O que é fartura para uns, graças a represa construída no século 19 na Serra de Tinguá, para outros é de secura nas tubulações da Cedae.

O curioso é que são justamente os bairros ribeirinhos os mais castigados com as torneiras secas. A proximidade, inclusive, levou os moradores a dar asas a invenções. Em Nova Belém, um grupo passa o dia 'pescando' água no Rio Guandu. Com a ajuda de uma bomba de sucção, eles captam o necessário para encher caixas e cisternas e atender as necessidades diária na cozinha e no banheiro. Serve da comida ao banho. Quando falta dinheiro para a água mineral, eles fervem a que retiram do rio, depois filtram e bebem. Os que não têm a bomba, vão com o tradicional balde.

Washignton%2C de 14 anos%2C utiliza a bomba do vizinho Valdemir para ‘pescar’ água no Rio Guandu pelo menos três vezes por semanaJoão Laet / Agência O Dia

O pedreiro Valdemir da Silva, 38, virou uma espécie de manobreiro informal na comunidade, o encarregado em coletar água para 11 famílias. Sem ele, nada de comida ou banho. Um processo repetido por pelo menos três vezes na semana. É só a caixa d'água chegar a metade, que lá vai ele, com a bomba nas costas e os fios nas mãos para a pescaria, bem no fim da rua onde mora. Fica das 10h até às 14h. Para facilitar o trabalho, o pedreiro cavou um buraco e soterrou um cano fixo de 280 metros, que irá levar a água direto para sua casa. Instalou até a parte elétrica com 280 metros de fio. Só não deixa a bomba, com medo de roubo.

Só tem um problema para a saúde dos moradores. A coleta é feita antes da estação de tratamento da Cedae, no Guandu, onde a água recebe produtos químicos para torná-la potável. O resultado é um produto impuro para o uso humano. Mas Valdemir não tem escolha. "É constrangedor. Como que pode ? Moramos do lado do rio e não temos água”, lamenta. “A Cedae colocou um cano na parte de cima do bairro, mas a água sumiu da tubulação há dois anos", revela.

No bairro Colinas tem até um prefeito para as causas impossíveis. Funcionário aposentado da Rede Ferroviária, Moacir Maurício da Silva, 76 anos, chegou na Rua Leni Ferreira quando nem luz havia. Esticou um fio por dois quilômetros e iluminou as casas. Na chuva seguinte, fez uma barreira de contenção com dormentes e amenizou os deslizamentos. “Aqui tem tubulação da Cedae, mas não cai nem uma gota”, destaca Moacir, hoje aposentado. A Cedae informou que atende cerca de 75% do município de Japeri e pretende ampliar para 90% com a conclusão das obras no Guandu até o fim de 2016.

Roubos aumentaram 113% em menos de um ano

O efeito UPP tirou dos moradores dos bairros mais pobres de Japeri um dos raros motivos de orgulho de morar na Cidade: a tranquilidade. A limpeza irregular, o transporte deficente e o celular mudo dificultam bastante a vida, mas a paz era a cereja mesmo sem o bolo. Desde a ocupação do Complexo do Alemão pela Força de Pacificação, em 2010, o município foi um dos esconderijos escolhidos por um exército de criminosos. Pouco conhecidos, mas nem por isso menos perigosos. O que se vê, desde então, foi uma disparada nos números da violência. Agora, vigora a lei do tráfico.

As paredes pichadas com as iniciais de facção criminosa é mais uma evidência de que o tráfico de drogas fincou raiz na cidadeJoão Laet / Agência O Dia

Bairros considerados livres da violência como Santo Antônio e Santa Amélia passaram a conviver com toque de recolher nas escolas, arrastões no comércio e queima de ônibus. Casos acompanhados da evolução da mancha criminal de Japeri. Principalmente no histórico dos roubos. As ocorrências pularam de 39 nos primeiros quatro meses de 2010 para 83 no mesmo período em 2015, o que representa um aumento de 113%. O total de roubos e furtos só este ano chega a 187 - dois casos a cada três dias. Um alarme para a cidade outrora tão pacata.

“Mesmo com o aumento da violência, Japeri continua sendo o município com os menores índices da Baixada. O problema é que há 10 anos aqui praticamente não existiam estes crimes”, destaca o delegado Flavio da Rosa Loureiro , titular da 63ª DP, que detectou a mudança no comportamento dos traficantes durante a investigação da queima dos ônibus, em maio. Uma das causas seria a recusa dos empresários em contribuir para a festa do líder do tráfico de nome Itojucan, conhecido como O Coroa.

Em depoimento, porém, as empresas negaram qualquer tipo de extorsão. A ‘ajudinha’ também vem do comércio local, que contribui com parte do lucro adquirido para os eventos na comunidade, segundo moradores que não se identificaram, com medo de represálias. De acordo com o delegado, apenas um caso de extorsão deste tipo foi registrado na delegacia, desde quando assumiu há cinco meses.

Preso em flagrante ao tentar queimar um coletivo em frente ao DPO de Engenheiro Pedreira, Daniel dos Reis da Silva, de 18 anos, afirmou que recebeu ordens do tráfico para fazer baderna. Ele é oriundo da Comunidade do Guandu, em Engenheiro Pedreira, a base do tráfico no município.

O varal de sacolas de lixo

A deficiência na coleta de lixo transforma o feio numa obra de arte. Preocupados com a infestação de insetos, os moradores das Ruas Samuel e Judith, em Nova Belém, enfileiram sacolas com o lixo num autêntico varal improvisado com ganchos de ferro à espera dos garis.

Deficiência na coleta de lixo transforma o feio numa obra de arteJoão Laet / Agência O Dia

Japeri está na quarta empresa encarregada pela limpeza da cidade e até maio amargava uma paralisação dos funcionários da Facility. Normalizado a partir de junho, assim mesmo o serviço não é diário: acontece três vezes por semana e atende apenas 61% dos domicílios dos bairros mais pobres do Rio, como aponta a pesquisa do Ipea.

Outro problema é a falta de saneamento. Dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE) mostrou, em 2013, que 44% dos domicílios não tinham esgoto canalizado. E, nos outros 56%, uma boa parte era lançado nos rios do município sem tratamento.

Você pode gostar