Aparecida (São Paulo) - Parte dos comerciantes do Santuário Nacional de Aparecida (SP) está desnorteando o caminho da fé. É que alguns dos 380 lojistas instalados em boxes no interior da área que circunda o maior monumento mundial dedicado à Santa Padroeira do Brasil descumprem o Estatuto do Desarmamento. Eles vendem, para fiéis e turistas que visitam o local, brinquedos que imitam armas de fogo de grosso calibre.
As réplicas de metralhadoras são brinquedos de origem chinesa, mas muito parecidas com as verdadeiras. Imitações do tipo representam 28,4% das apreensões de armas pela polícia de São Paulo, em 2013, segundo o Instituto Sou da Paz. A venda foi condenada pela administração do Centro de Apoio ao Romeiro, subordinado ao Santuário e à Arquidiocese.
Por dois dias (sexta e segunda-feira passadas) a reportagem do DIA flagrou, com fotos e filmagens, o comércio de fuzis de brinquedo em Aparecida. As armas ficam expostas nos boxes, penduradas ou misturadas a brinquedos e objetos religiosos. Ao perceber a presença da reportagem, que já havia comprovado a venda em três pontos, um vendedor alertou os outros, que retiraram os produtos da área de venda.
Segundo especialistas em armas, a principal imitação vendida lá, de um fuzil calibre 12, é confundido facilmente com o verdadeiro. “Esse tipo de simulacro é uma ameaça real para qualquer cidadão se cair nas mãos de criminosos, principalmente em ambientes mais escuros”, alerta Paulo Storani, ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Consultor e especialista em armamentos pesados, ele analisou a arma.
Inofensivo, o brinquedo, um atirador de dardos de plástico, se torna perigoso, na opinião de Storani, por causa da sua “alta semelhança” com um fuzil original. “Tem quase o mesmo tamanho de um fuzil de verdade, estrutura do corpo do artefato e cor aproximada. Além de promover assaltos e sequestros-relâmpago, bandidos podem fazer até com que policiais abram fogo contra quem estiver portando isso, colocando terceiros em risco”, justificou.
De acordo com o Artigo 26 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/\03), “são vedadas a fabricação, a venda e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que podem ser confundidas com originais”. A exceção da lei vale só para os equipamentos destinados a instruções de policiais e colecionadores autorizados pelo Exército.
Assaltante comprou arma em Aparecida
O uso de armas de brinquedo em crimes chega a um terço dos fuzis, pistolas e revólveres de verdade apreendidos em São Paulo. Estudo do Instituto Sou da Paz mostrou que 28,4% (3,7 mil) das armas apreendidas pela PM em 2013 eram de mentira.
A venda de armas semelhantes às verdadeira no quintal do Santuário de Aparecida para todo o país é antiga. Há um ano, Carlos Lourenço, 21 anos, confessou, após assalto em Uberaba (MG), que tinha comprado a réplica de pistola ponto 40, em Aparecida.
“Os pais devem evitar dar brinquedos desse tipo. Hoje em dia, ao contrário do passado, induzem à violência”, diz Maria Ângela Carneiro, coordenadora do Núcleo de Cultura e Pesquisas do Brincar da PUC-SP.
Arquidiocese contra a venda
Em nota da assessoria do Santuário de Aparecida, o Centro de Apoio ao Romeiro garantiu que “vai intensificar campanhas para reafirmar sua posição contrária à prática de locatários, que desobedecem a legislação”, mas que cabe à PM autuar infratores.
Até o fechamento da edição, a PM paulista não tinha se manifestado sobre o assunto, apesar de questionada. A Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos (Abrinq) informou que há 18 anos as indústrias nacionais pararam de fabricar armas de brinquedo. O Instituto Nacional de Metrologia não certifica brinquedos clandestinos.