Por adriano.araujo

Rio - "Nos sentimos impotentes nessa situação. Fomos humilhados. Sofremos para enterrar nosso pai. É um sofrimento duplo. Que país é esse?”. O desabafo e a revolta é do chefe de escritório Sérgio Sabino da Silva, de 51 anos, que encarou uma verdadeira peregrinação de 57 horas para conseguir sepultar o pai Waldyr Sabino da Silva, 82, que morreu às 4h55 da madrugada da última quinta-feira (11). O corpo dele, que só foi enterrado às 14h de sábado (13), no Cemitério de Irajá, ficou por mais 50 horas no necrotério do Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha Circular.

A dificuldade de Sérgio Sabino não é um problema só de sua família. Com os 13 cemitérios municipais do Rio lotados e com poucas vagas, muitos são obrigados a deixar o corpo do parente em necrotérios de hospitais, à espera de uma sepultura.

De acordo com donos de funerárias, o problema que já era ruim desde o centenário monopólio da Santa Casa nos serviços cemiteriais e funerários da capital fluminense, a situação se agravou desde que os consórcios Reviver e Rio Pax passaram a administrar os 13 cemitérios municipais em agosto do ano passado.

Passaram a ser geridos pelo Grupo Reviver os cemitérios São Francisco Xavier (Caju), do Murundu (Realengo), de Paquetá, Santa Cruz, de Ricardo de Albuquerque, Guaratiba e da Cacuia (Ilha).

Ao consórcio Rio Pax, foram concedidos os cemitérios São João Batista (Botafogo), de Jacarepaguá, Irajá, Inhaúma, Campo Grande e Piabas (Vargem Grande).

“Se o serviço já era pior na época em que a Santa Casa administrava os cemitérios, a situação agora ficou insustentável. Hoje não há vagas nos cemitérios. As funerárias não estão conseguindo sepultar. Temos casos de pessoas que morreram no dia 8 e só conseguiram ser enterradas no dia 10”, denunciou o presidente do Sindicato das Funerárias do Rio de Janeiro, Leonardo Esteves.

Ainda segundo ele, os consórcios Rio Pax e Reviver estão se beneficiando com os sepultamentos no Rio: atualmente são feitos 4.700 mil enterros por mês no estado.

“As outras funerárias não têm preferência. Os dois consórcios que administram, fecharam quadras onde há sepulturas para fazer os enterros e acabam lucrando com isso”, acrescentou Leonardo.

Ele afirma ainda, que no caso de uma mulher identificada como Mônica de Souza Mendes, falecida no último dia 8, os familiares queriam sepultá-la no Cemitério do Irajá, porém veio a surpresa.

“No cemitério existe um procedimento de pré-reserva em que a funerária fica em uma lista de espera aguardando a disponibilidade de vagas para sepultar. Diversas funerárias estavam na lista de espera com nome dos falecidos aguardando. Tivemos a confirmação de que a Rio Pax passou na frente de todas as funerárias”, lembrou o presidente.

Em nota, Leonardo Esteves relatou sua insatisfação: “Isso mostra mais uma vez que os Consórcios se privilegiam por terem o poder de realizar as reservas e passam por cima das famílias e das funerárias que estavam a mais tempo aguardando com mínimo de dignidade sepultar seu ente querido. Não existe qualquer respeito por parte deles e não haverá enquanto eles detiverem o poder de realizar as reservas de sepulturas”.

Segundo o diretor comercial da Sinaf, Marcelo Cardoso, o atraso nas exumações contribuem para a escassez das vagas em sepulturas. “Por causa disto também a situação fica ainda mais caótica”, reclamou.

Consórcios prometem mais vagas 

Em Nota, a assessoria da Rio Pax e Reviver informou que “nos próximos dias mais 6 mil novas vagas de sepulturas serão autorizadas pelo poder concedente e no prazo de mais um ano serão outras 20 mil novas sepulturas. A confecção destas sepulturas é precedida de licença ambiental e aprovação de projetos e necessita de vencimento de prazo para exumação. Todas as exumações estão dentro do prazo legal. As concessionárias Rio Pax e Reviver garantem a todas as famílias o total de vagas disponíveis”.

Ainda segundo os consórcios, para evitar transtornos, as famílias devem sempre contratar empresas idôneas quando do falecimento de um ente querido, e nunca aceitar abordagem de pessoas oferecendo serviço funerário. Diz ainda que para uma maior segurança, recomenda-se procurar sempre tratar o serviço funerário diretamente em um cemitério ou agência funerária autorizada.

A Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos, por meio da Coordenadoria de Controle de Cemitérios e Serviços Funerários, informou que convocou uma reunião no último dia 2 entre representantes do sindicato das funerárias e dos consórcios. O encontro serviu para esclarecer que os consórcios estão realizando obras para eliminar as chamadas covas rasas, construindo assim os jazigos sociais. A previsão é de que em até 90 dias mais de 5 mil vagas destinadas a esses jazigos sociais sejam criadas nos cemitérios públicos da cidade.

A Secretaria destaca ainda, que funcionários da prefeitura circulam os cemitérios públicos diariamente e nenhuma reclamação foi feita por qualquer cidadão sobre dificuldades de agendamento de sepultamentos. Reclamações podem ser feitas por meio da Central de Atendimento 1746. A Secretaria de Conservação nega que exista qualquer favorecimento de funerárias. “Aliás, a fiscalização sobre as funerárias aumentou nos últimos meses e 16 delas foram cassadas por fraude fiscal”, diz o trecho em nota.

Via Crúcis para sepultar parentes

Quem teve que buscar um cemitério municipal para sepultar um ente querido encontrou um verdadeiro via crúcis na procura de uma vaga. Indignado, o chefe de escritório Sérgio Sabino da Silva era um deles.

“Coloquei meu pai na Sinaf depois da morte da minha mãe, em 2009. Em vida, ele manifestou o desejo de ser enterrado no cemitério de Irajá, junto com a família dele e onde está minha mãe. Mas custamos para encontrar vagas”, contou.

O serralheiro Amauri Bernadino de Paula, 45, levou 24 horas para conseguir uma vaga para o pai Jovelino Bernardino, de 86 anos, no Cemitério do Caju. “Ele morreu no dia 11 e só na tarde do dia seguinte encontrei uma vaga para ele. Um absurdo”, comentou.

Além da dor, a revolta tomou conta do professor Sérgio José Sarmento, 39. A mãe dele, Dea Assumpção, de 94, faleceu às 15h30 do dia 10 e só foi enterrada no Caju às 17h do dia 12. “É uma sensação de impotência por não saber onde sua mãe será sepultada. É uma mistura de dor e revolta”, desabafou.

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