Rio - Nem tão perpétuo assim. A garantia de eternidade dos jazigos e sepulturas do Rio agora tem preço. E bem caro. No ano passado, quando passou a administração dos 13 cemitérios públicos da cidade às empresas Rio Pax e Reviver, a Prefeitura do Rio adicionou um pacote de ‘bondades’ e instituiu a cobrança de uma taxa anual para a manutenção dos chamados jazigos e sepulturas perpétuos.
A nova mordida de ouro dos ‘Reis da Cova’ varia entre R$ 200 e R$ 500 e proporcionará às duas concessionárias a pomposa receita de R$ 33 milhões por ano — quase o valor total pago pelas empresas (R$ 43 milhões) para explorar os ‘parques santos’ por 35 anos. Mas o ganho pode subir ainda mais quando for contabilizado o número de donos de sepulturas.
A novidade não para por aí. Os inadimplentes serão convidados a colocar o débito em dia até dezembro. As duas empresas realizam um recadastramento para localizar os proprietários dos 166 mil jazigos e sepulturas dos 13 cemitérios e darão um prazo de seis meses para quitar o débito. Quem não for encontrado ou deixar de pagar a taxa terá o “direito de usar o espaço suspenso”. Resumindo: receberá, literalmente, uma ordem de despejo, e os restos mortais serão removidos.
Apesar da desatualização do cadastro dos proprietários, as duas concessionárias garantem que todos serão notificados até o fim do ano. As empresas prometem digitalizar todos os registros. Mas, para a conclusão do serviço, a Reviver e a Rio Pax ganharam da Prefeitura do Rio um prazo de dez anos.
Os proprietários localizados até agora foram informados da cobrança que nem os atendentes da Rio Pax e da Reviver sabem explicar direito. Uma recepcionista do Cemitério de Ricardo de Albuquerque disse que a cobrança é uma espécie de condomínio, onde os donos são obrigados a pagar despesas com a manutenção dos túmulos. Sobre a eficácia da convocação, foi sucinta: “É como um recall (reparos nos carros), entende? Os fabricantes chamam pela imprensa. Quem atendeu ao chamado recebe o serviço, quem não aparece, perde”.
Apesar de a taxa ser para ‘manutenção’ dos jazigos e sepulturas, ela não livrará os proprietários da responsabilidade de manter os túmulos limpos e organizados. É que o dinheiro será destinado exclusivamente às melhorias nos cemitérios. Vale lembrar que, para enterrar um parente desde que as novas concessionárias assumiram os cemitérios, qualquer carioca paga, no mínimo, R$ 220 de taxa de sepultamento numa cova rasa, além do aluguel da capela, que chega aos R$ 500. E tem que desembolsar ainda a taxa antecipada de exumação de R$ 440.
A regra da cobrança vale também para aquisições de jazigos e sepulturas antigas, apesar de não constar nos contratos assinados pelos donos com a Santa Casa de Misericórdia — a concessionária anterior, responsável pelos cemitérios públicos. A partir de agora e por 35 anos, quem ficar em débito por três anos consecutivos ou seis alternados, perderá o “direito de usar o espaço”.
Decreto determina que inadimplentes podem perder
?O DIA percorreu alguns dos 13 cemitérios públicos na sexta-feira e constatou o despreparo dos funcionários das concessionárias ao explicar a nova tarifa. No Murundu, em Realengo, uma atendente chegou a afirmar que o proprietário que não pagasse a taxa não perderia o espaço, apenas receberia uma multa. “Só sei que essa taxa é uma espécie de condomínio e vai servir para ajudar a pagar os funcionários. Quem não pagar, acumula juros”, alegou.
No entanto, o decreto municipal que determina o novo regulamento cemiterial e funerário, elaborado pela Secretaria da Casa Civil e publicado no Diário Oficial no fim do ano passado, aponta que a inadimplência de três anos já configura no despejo do dono do túmulo. E, evidentemente, os restos mortais enterrados nos jazigos e nas sepulturas.
Apesar de regulamentada, a nova cobrança esbarra num direito que os proprietários afirmam ter obtido há anos, ao comprar os jazigos. “É um absurdo o cemitério cobrar um valor de manutenção sem que as famílias estejam usando a sepultura”, criticou Fernando Soares, proprietário de um jazigo no cemitério de Ricardo de Albuquerque, adquirido pelo pai. “Nunca foi cobrada uma só taxa de manutenção. E tem mais: não consigo ter acesso ao meu jazigo, pois construíram outros colados a ele e não tem como chegar perto nem para fazer uma limpeza, quanto mais enterrar um parente”, desabafa.
Há mais de 60 anos com um jazigo familiar no Cemitério do Murundu, em Realengo, Waldir Araújo também foi pego de surpresa com a taxa. Foi justamente reclamar que o local estava abandonado e soube que a família agora é devedora de R$ 200. E, conforme os atendentes anunciaram para ele, se não pagar a dívida até o final do ano, o túmulo da tia será violado e a família perderá o direito sobre o bem. “Já pagamos IPTU, IPVA, iluminação pública, água, esgoto, Imposto de Renda e, agora, temos o ‘imposto da morte’. Acho um pouco exagerado”, reclama Waldir.
?Para Prefeitura, taxa é como um imposto
?Para a Prefeitura do Rio não há qualquer violação no contrato de jazigo perpétuo antigo assinado com a Santa Casa de Misericórdia, uma vez que o solo pertence ao município. A secretaria de Conservação alega que, “assim como o proprietário de imóveis paga anualmente o IPTU, haverá cobrança da taxa de manutenção dos jazigos.”
Para as concessionárias, assim como a taxa, o recadastramento é necessário pelo grande número de jazigos abandonados pelas famílias e as denúncias recentes de túmulos vendidos mais de um vez para diferentes famílias.
A falta de divulgação da nova taxa também é preocupante. As concessionárias dos cemitérios afirmam que estão divulgando avisos sobre o recadastramento semanalmente nos jornais e que a decisão foi publicada no Diário Oficial. E revelam que vão emitir notificações pelos Correios até o fim do ano.
“Só fiquei sabendo dessa taxa porque uma tia minha foi enterrar um parente em um jazigo e o cemitério disse que ela tinha que pagar mais R$ 200 da manutenção”, declarou Maria de Fátima Gomes, proprietária de uma sepultura no cemitério de Inhaúma.
As concessionárias dizem que informações sobre o recadastramento podem ser obtidas pelos telefones 0800 022-1650 (Reviver) e 0800 726-1100 (Rio Pax).