Rio - Nos fundos de um prédio antigo desativado da Rio Trilhos, com paredes sem pintura, funciona a Fundação Santa Cabrini. A estrutura precária da instituição ilustra bem o descaso com a função: oferecer trabalho para os presos. De 2011 a 2014, caíram em 29,8% os investimentos na qualificação profissional de detentos e na criação e melhoria de oficinas. De R$ 936,8 milhões do orçamento destinado ao sistema penal ano passado, apenas 1,1% foi para a ressocialização. Do total de 43.307 presidiários no estado, apenas 2.271 trabalham.
Os dados são de um relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE), a que O DIA teve acesso, que apurou os motivos do encolhimento em 39,72% da parcela da população carcerária que trabalha. A conclusão foi taxativa: a fragmentação do processo de assistência educacional do preso, qualificação e prática profissional e a inexistência de um plano operacional para isso.
O tribunal ressalta no documento, enviado à Secretaria de Administração Penitenciária e à Fundação Santa Cabrini, que “é imprescindível para a segurança da população que estes indivíduos tenham adquirido novas ferramentas que possibilitem sua inserção no mercado de trabalho e, assim, garantam o seu sustento sem que venham recorrer ao crime.”
Por dia, retornam à sociedade fluminense cerca de 100 pessoas que passaram pelo Sistema Prisional. T. G. S. é um que voltou em regime de custódia, com pulseira eletrônica. O homem de 29 anos, que foi preso por falsificação ideológica, foi privilegiado. Conseguiu ingressar no curso profissionalizante, após duas tentativas na prisão.
Através de um convênio com a Fundação Cecierj, que faz cursos a distância do estado, T., ainda em regime semiaberto, saía todos os dias da Penitenciária Plácido Sá Carvalho, em Bangu, e ia até o Rio Comprido aprender a fazer livros em uma gráfica. Após a jornada de oito horas, ele retornava à prisão para dormir. Pelos serviços prestados, recebia em torno de R$590 por mês — 75% do salário mínimo, valor pago aos presos que trabalham.
DIREITO A BENEFÍCIOS
Com o dinheiro, ele conta que conseguiu ajudar a família. Depois de quase um ano de aprendizado, agora em liberdade condicional, foi contratado pela gráfica com carteira de trabalho assinada. Pelo serviço, receberá R$2.364, mais vale-refeição, férias e 13º salário. “Aqui sou tratado como qualquer outro funcionário. Sei que a sociedade ainda tem muito preconceito com ex-presidiários, e seria mais difícil conseguir emprego”, comemora.
A. D. C., 39 anos, preso por homicídio e pai de três filhos, uma com necessidades especiais, também faz curso profissionalizante. Em regime fechado, ele conseguiu vaga na cozinha da unidade por um ano. “Eu me sinto privilegiado. São poucos os presos que conseguem trabalhar. Ocupa a mente, tira a gente do universo do crime”, diz A. Com o salário, ajuda nos cuidados com a filha especial e sonha em terminar o Ensino Fundamental. “Quero abrir um comércio e não arrumar confusão”, diz.
Subcoordenador da gráfica, Luís Antônio Machado, que há dez anos trabalha com presos, está satisfeito. “Aprendem rápido e desempenham a função igual aos outros”, diz. Porém, Luís afirma que o preso tem que estar disposto a trabalhar. “Cerca de 70% acaba ingressando depois no mercado de trabalho. Eles são um orgulho pra gente”, conta.
Seap alega ‘ritmo alto’ de prisões
A Secretaria de Administração Penitenciária admitiu que a oferta de vagas de trabalho não acompanha o aumento da população carcerária. “Nunca as polícias Civil e Militar prenderam tanto como nos últimos cinco anos”, alega. Mesmo assim, a Seap argumenta que, dos 43.307 internos, 19.380 são presos temporários, os quais a fundação Santa Cabrini não tem obrigação de capacitar.
Além disso, justifica que, do total dos 23.927 presos sentenciados , apenas 20% estariam aptos ao trabalho. “Muitos apresentam baixo nível de escolaridade, tornando-os inelegíveis para exercer as atividades disponíveis”, respondeu. Segundo a secretaria, a elegibilidade de um preso para o trabalho passa por comissão multidisciplinar do órgão, que avalia questões psicológicas e comportamentais do preso.
Os presos em regime semiaberto dependem de autorização da Vara de Execuções Penais. Fica a cargo da fundação indicar o perfil da vaga, e a seleção inicial começa pela direção da unidade na qual o interno está. Em seguida, eles são analisados pela comissão técnica da Seap. No caso do regime semiaberto, após os procedimentos acima, a fundação solicita ao juiz da Vara de Execuções Penais autorização judicial para trabalho extramuros. Além disso, declarou que está em curso um plano-diretor para ampliar as parcerias de qualificação.