Por felipe.martins

Rio - A doação do descarte dos vegetais feios ou danificados é uma das soluções para transformar o desperdício em alimento para uma rede de famintos no Estado do Rio de Janeiro. Alguns setores do governo e privados estão dando os primeiros passos nesse caminho. Mas ainda não há uma política pública capaz de amarrar toda a cadeia de produção e distribuição, para identificar onde tem descarte e quais as formas de aproveitá-lo.

Além da unidade de Irajá, a Ceasa gerencia cinco bancos de alimentos no estado, para captação e posterior doação de legumes, frutas e verduras. São produtos que não podem ser comercializados por questões estéticas, mas que estão em perfeitas condições para consumo humano.

De janeiro a junho de 2015, nas seis Ceasas foram doadas 220 toneladas de alimentos para 182 instituições cadastradas, beneficiando pelo menos 21.396 pessoas. As outras unidades estão em São Gonçalo, São José de Ubá, Itaocara, Paty do Alferes e Friburgo.

Em Irajá, levando-se em conta o volume de circulação de produtos e a quantidade de desperdício no local, o banco de alimentos poderia responder por doações muito mais volumosas, não fosse a dificuldade para manter o próprio centro de captação e doação. As instalações não são adequadas — não há câmara frigorífica, por exemplo — e falta pessoal para coleta e triagem dos produtos.

Com a revitalização da Ceasa de Friburgo%2C o galpão de alimentos fica abarrotado de produtos. Em seis meses%2C houve aumento de 91%2C55% nas vendas João Laet / Agência O Dia

“No momento, não adiantaria tentarmos captar mais alimentos, se não temos condições ideais para armazenagem e gente suficiente para fazer a triagem e a distribuição”, alegou o secretário estadual de Abastecimento e Pesca, José Luiz Anchite, que está há apenas seis meses no cargo. A secretaria, na qual as Ceasas estão inseridas, tenta construir um novo e moderno banco de alimentos em Irajá, mas há quase três anos o projeto tramita na burocracia estatal.

“Há regras para serem cumpridas e estamos cumprindo. O projeto caminha, mas não na velocidade que a gente gostaria que fosse. Temos uma legislação complicada, um emaranhado de leis para cumprir”, afirmou o secretário.

Anchite anunciou que pedirá ao governador Luiz Fernando Pezão a abertura de concurso público para aumentar o quadro de funcionários do banco de alimentos da Ceasa de Irajá, ou contratação de pessoal pelo sistema de terceirização.

Rosana Bastos, economista e coordenadora de captação de recursos da secretaria, explicou que um convênio foi feito com o governo federal para a construção do banco de alimentos. De início de 2013 ao começo de 2014, o projeto percorreu vários órgãos governamentais, que precisam dar o licenciamento, como a Secretaria de Meio Ambiente, por exemplo.

“O ano inteiro de 2014 foi para a elaboração do projeto executivo, a aprovação dele e o processo de licitação. A Caixa vai liberando o recurso de acordo com o andamento da obra. O prazo de construção é de oito meses, mas a legislação cobra que a construção seja feita em terreno do estado ou cedido a ele por prazo mínimo de 20 anos”, disse a coordenadora.

Mais problemas. O INSS é o dono do terreno onde funciona a Ceasa de Irajá. Não houve cessão formal, mas um empréstimo. Há um processo administrativo para que o INSS doe para o estado a parte da área onde será construído o banco de alimentos.

“O contrato de repasse com a Caixa já foi prorrogado uma vez e já estamos pedindo outra prorrogação até o fim de 2016”, afirma o secretário de Abastecimento e Pesca. O restante do terreno continuará sendo do INSS, emprestado ao estado. Ou seja: se o governo quisesse fazer uma grande obra de modernização em toda a Ceasa, com recursos federais, teria que antes abrir um outro processo para o que INSS doasse o total da área.

Os produtores de frutas, legumes e verduras entrevistados pelo DIA foram categóricos: se fossem procurados por ONGs ou pelo governo do estado, doariam o descarte.

Menos comida no lixo, mais vendas

Enquanto a Ceasa de Irajá patina na obsolescência, as congêneres no interior do estado começam a exibir sinais de mudança, que já estão incidindo diretamente na redução do desperdício. As transformações ainda são tímidas, caminham a passos curtos, mas os resultados começam a aparecer.

Na Ceasa de Friburgo, por exemplo, no primeiro semestre de 2014 foram comercializadas 7.530 toneladas de legumes, frutas e verduras. No mesmo período em 2015, os números praticamente dobraram: 14.424 toneladas (91,55%). “O aumento na comercialização indica menos desperdício. Antes, o que não se vendia ia para o descarte”, afirmou Newton Novo, chefe de divisão técnica.

Pequenas ações da Secretaria de Abastecimento e Pesca permitiram a mudança nos ventos. Nas Ceasas de Friburgo, Itaocara, São José de Ubá e Paty do Alferes foram instalados televisores de 60 polegadas, por meio dos quais os produtores são informados da cotação dos produtos na Ceasa de Irajá. A central de São Gonçalo, considerada a segunda maior na América Latina, ganhou telão de 2m x 2m.

Antes, como os produtores não sabiam o preço da safra no Rio, acabavam vítimas de alguns atravessadores inescrupulosos, que transportavam os alimentos para a Ceasa de Irajá . “Os intermediários diziam que o valor era a metade do praticado. Muitos agricultores preferiam destruir parte da colheita, acreditando que, com isso, fariam o valor do produto aumentar”, explicou Anderson Guimarães, chefe da divisão operacional das unidades do interior.

Além desse tipo de engodo, os produtores caíam num outro golpe, segundo os dois técnicos: entregavam a safra ao atravessador, por consignação. “No momento de pagar ao produtor, o intermediário dizia que só conseguira vender a metade. E como não adiantava voltar para o interior com o produto, a alegação era de que tinha feito o descarte da sobra na própria Ceasa de Irajá”, revelaram.

Em São José de Ubá, a tv foi instalada em junho deste ano. Em um mês apenas, a comercialização cresceu 212%. De junho a julho de 2015 foram vendidas 1.085 toneladas, contra 348 toneladas no mesmo período de 2014.

“A revitalização das Ceasas consiste em repassar informações ao produtor; ensiná-lo a separar as mercadorias de acordo com o padrão de mercado; e incentivar compradores da região a buscarem seus produtos ali mesmo”, explicou Newton Novo.

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