Por adriano.araujo

Rio - Elas chamam umas às outras de “guerreiras” e, às vezes, de “cunhadas”. A liberdade é conhecida como “lili”. As cidades de cada uma variam, as idades também, mas o que todas elas têm em comum é um ente querido preso. Em tempos cada vez mais digitais, páginas no Facebook e grupos no Whatsapp viraram presença constante nas vidas de mulheres que têm as filas dos presídios em suas rotinas. Por meio das redes, no mundo online mesmo, elas encontram outras com as quais se identificam na dor, e criam meios de se ajudar coletivamente.

Thayane Mattos, de 24 anos, é uma dessas mulheres. Ela criou a página ‘Liberdade já pro nosso amor RJ’, assim que o marido foi preso. Pretendia conhecer outras pessoas que passavam pelo mesmo sofrimento. E não apenas ser ajudada, mas também ajudar. Thayane tem dois filhos, de 3 e 6 anos, e está grávida de outro. Todos do mesmo homem, com quem está há dez anos. Para as crianças, o pai, preso por tráfico de drogas, está no médico há um ano. “Eles não sabem onde o pai está. E sempre perguntam: mãe, falta muito para o meu pai sair do médico?”, disse.

Lohrayne criou página no Facebook há três meses depois que o marido foi preso%3A já são quase 2 mil curtidasFabio Gonçalves / Agência O Dia

Com Lohrayne Scarton, 26, é diferente. Ela sempre leva o filho de 9 meses nas visitas ao pai, no Complexo Penitenciário de Gericinó. Em outro ponto, a história se repete: a página ‘Liberdade pro nosso amor RJ’ também surgiu depois que o marido dela foi preso, há três meses. “Nós somos guerreiras porque acordamos cedo, dormimos na fila, mudamos nossas vidas para cuidar deles lá dentro”, comentou. “E eles são guerreiros porque comem comida estragada, dormem em celas apertadas, convivem com um cheiro de sujeira horrível”, completou.

De acordo com a vice-presidente do Conselho Penitenciário do Rio, Luciana Boiteux, enquanto os homens sempre têm quem os visite, as mulheres são abandonadas nos presídios. “Essa dedicação para cuidar dos companheiros e ainda dos filhos faz parte da vida delas. É uma questão de gênero reforçada no papel feminino quando os maridos estão presos. Mas o contrário não acontece, muitas mulheres são esquecidas pelas famílias”, disse. Desde que começou a visitar o marido, por exemplo, Lohrayne contou que só viu duas vezes um homem na fila para se encontrar com a mulher.

‘Bandido bom é bandido morto’ é a frase que mais dói em Juliana Teixeira*, 23, que participa das páginas do Rio e de outra nacional, ‘À espera do meu guerreiro’, também administrada por ela. O marido de Juliana está preso há oito anos e só deve sair da cadeia em 2020. “Eu escolhi o meu marido, não os erros dele. Não o incentivo para as coisas erradas. E o certo é ele em casa, cuidando da nossa família”, contou.

As páginas nas redes sociais também fazem montagens de fotos com os nomes dos casais, criam promoções e ajudam as novatas. Para quem não conhece nada do sistema penitenciário, o desespero é ainda maior. “Ninguém informa nada, é o maior descaso. Nem bicho merece ser tratado como somos. Nossa página ajuda quem precisa”, disse Lohrayne, que publica dicas de telefone, orienta para onde ligar e diz os horários disponíveis para informações sobre os presos.

Liberdade é a palavra mais sonhada para ser emitida num grito próximo, por todas elas. Quando algum deles vira ex-detento, todas comemoram a alegria da guerreira que vai poder, enfim, viver o amor longe das grades. Muitas delas nunca se viram pessoalmente, mas um grupo no Whatsapp que reúne as mais ativas já tem 90 mulheres. “A gente se ajuda o dia inteiro, se distrai”, comentou Lohrayne.

Reportagem da estagiária Amanda Prado

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