Rio - A rotina de tiroteios no Complexo do Alemão deixou mais uma vítima nesta quarta-feira de manhã. Uma mulher que saía para trabalhar foi atingida por estilhaços no braço. Ela foi socorrida por policiais e não corre risco de morrer. O que está morrendo no Alemão é a esperança. Os moradores sonhavam se livrar da guerra que conheceram há quase três décadas e que esperavam vencer com a implantação das UPPs.
Este ano, segundo levantamento do portal ‘Voz da Comunidade’, 57 pessoas foram atingidas por tiros. Destas, 60% eram suspeitos de crime. De todos os baleados, 21 morreram, dois deles eram PMs, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP).
A média de mortes por mês no Alemão chega a três casos. O DIA comparou essa média com os dados de homicídio doloso e autos de resistência de outras regiões da cidade. Na Tijuca e em Vila Isabel, as mortes não chegam à metade das do Alemão: 1,42 por mês. No Catete e em Botafogo, o registro é de 1,14, e em Copacabana, o resultado é de apenas 0,42 morte por mês em 2015.
A forma de atuação da polícia precisa mudar, de acordo com o advogado especializado em Mediação Comunitária e Direitos Humanos Pedro Strozenberg. “Não se pode jogar fora o projeto de pacificação. O Alemão precisa ser compreendido pelas autoridades como um exemplo único, logo precisa de estratégias únicas para que a frustração e a desilusão dos moradores, que esperavam dias melhores, não impeçam a construção de entendimentos. Não é possível que a sociedade não consiga transformar o Alemão”, avalia.
Na noite de anteontem, moradores não conseguiam subir as ladeiras do conjunto de favelas devido ao intenso tiroteio. Eles contaram que dois adolescentes, um de 14 e um de 16 anos, foram baleados, mas a Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) disse, em nota, que não foi informada de feridos. No Complexo da Penha, vizinho ao Alemão e que também tem UPP, a noite e a madrugada também foram de confrontos entre policiais e bandidos.
“É guerra, não tem outra palavra. Perderam o equilíbrio. Mexeram em um formigueiro e, agora, formigas do bem, do mal, todas saíram e estão ferroando. Não temos paz nem para sair, nem para ficar em casa. As crianças vivem em pânico, sem poder ir à escola, à mercê de uma guerra às drogas que virou uma guerra contra a população”, lamenta a moradora Lúcia Cabral.
Mortes diminuíram com pacificação
O advogado Pedro Strozenberg teme pela desesperança da população. “É muito importante lembrar que esses moradores viveram na opressão do tráfico e não devem achar que hoje está pior”, ressalta o estudioso.
Rene Silva, morador do Complexo e editor do jornal e do portal ‘Voz da Comunidade’, conta que o complexo está assustado. “É uma irresponsabilidade a polícia entrar atirando em locais onde há muitas pessoas nas ruas e nas casas. Um tiro desses fura portas, janelas e até parede. Temos vivido momentos de caos”, criticou.
A Secretaria de Segurança realizou um estudo sobre homicídios dolosos e autos de resistência em todas as áreas com UPPs. Segundo os dados, a taxa de homicídio doloso em áreas de UPP foi de 7,4 mortes por 100 mil habitantes (40 vítimas) em 2014. O número é um terço da taxa de 2008, ano em que a primeira comunidade foi ocupada.
Para a secretaria, o maior benefício foi a queda de morte causada pela polícia. Em 2014, 20 pessoas morreram em decorrência de intervenção policial em áreas de UPP, o que equivale a uma redução de 85% se comparado ao registrado em 2008 (136 vítimas).
Caminhadas pela paz
O Coletivo Papo Reto está convocando a população do Alemão para quatro eventos em defesa da paz no conjunto de favelas. Haverá uma caminhada no entorno da favela no próximo sábado, dia 22, e outra dentro da comunidade, no dia 29. “Faremos uma vigília noturna no Largo do Bulufa, em 5 de setembro. No dia 6, um domingo, vamos colorir um beco da favela”, explicou Raull Santiago, um dos organizadores.
Os manifestantes pretendem que o caveirão não circule mais pelo Alemão e que o Estado indenize as vítimas e pague os prejuízos causados por tiros nos imóveis e nos automóveis.