Por nicolas.satriano

Rio - Um rastro de sangue em busca do dinheiro. A Divisão de Homicídios (DH) investiga se a série de ataques a tiros que deixou quatro mortos e seis feridos, nos últimos 13 dias, na Zona Oeste, tem ligação com a guerra travada entre os dois chefões presos da milícia Liga da Justiça. Ricardo da Cruz Teixeira, o Batman, e Toni Ângelo de Souza Aguiar, brigam pelo espólio de controlar 1 milhão de moradores de seis bairros e um município vizinho. Somente com cobrança de "gatonet" e ágio sobre venda de botijão de gás, o bando fatura R$ 6,5 milhões por mês, de acordo com dados da CPI das Milícias da Alerj, com valores atualizados por denúncias de moradores e investigações da Polícia Civil.

Quem mora na região relata que há há toque de recolher e que os bandidos ameaçam matar quem estiver nas ruas. Alunos da Unisuam, em Campo Grande, abandonaram as aulas na noite de terça, com medo. Anteontem à noite, o PM Adivanilson da Silva Moreira foi alvo de mais de 30 tiros na Estrada da Posse, em Santíssimo. Antes dele, no dia 20 de agosto, o PM Carlos Eduardo Conceição Dias, o Eduardinho, ex-genro de Batman, foi executado com três tiros na cabeça na Praia da Reserva, no Recreio dos Bandeirantes.

Milicianos travam luta sangrenta por pontos de domínio na Zona Oeste. Amplie o infográfico clicandoArte O Dia

No sábado, dia 29 de agosto, dois homens foram mortos e seis pessoas ficaram baleadas em um bar, em Paciência. Uma testemunha contou à DH que o irmão de Toni Ângelo, Thiago Souza Aguiar era o alvo do atentado e, mesmo ferido, conseguiu fugir.

"Em Campo Grande, eles (os milicianos) passam de moto e mandam fechar bares, supermercados. Sou morador, mas fugi para Seropédica, na casa de parentes. Está acontecendo nos bairro de Vila Nova, Campinho, Tingui, vários tiroteios, uma coisa de maluco. Em Santa Cruz, um áudio que circula nas redes sociais fala que todo mundo tinha que se recolher, que inocente vai pagar por isso", revelou um vigilante de 39 anos.

Os números do faturamento da Liga da Justiça mostram que, além de Campo Grande e Santa Cruz, em Paciência, Sepetiba, Guaratiba, Pedra de Guaratiba e na cidade vizinha de Seropédica, os moradores pagam R$ 45 pelo sinal de "gatonet". De acordo com pesquisa da Associação Brasileira de TV por Assinatura, cerca de 25% dos consumidores compram sinal ilegal. Só com isso, a Liga fatura, R$ 3,6 milhões em cerca de 80 mil domicílios dos 320 mil existentes.

No comércio de gás, o controle de criminosos sobre as vendas em áreas carentes alcança 90%, segundo dados do Sindicato dos Revendedores de GLP. Com um ágio de aproximadamente 20%, o que dá cerca de R$ 10 por botijão, os paramilitares embolsam R$ 2,9

"Esses números não me surpreendem, pelo contrário, acho que estão subestimados, pois não levam em conta a venda de suposta segurança e o controle de transporte alternativo, além de outras formas de faturar, como a exploração de prostíbulos", avalia o sociólogo e ex-oficial do Bope, Paulo Storani. "O Rio tem tantos problemas de segurança que as milícias ainda não são prioridade do estado. Isso é um erro, semelhante ao que cometeram com o tráfico nos anos 80 e permitiu que as facções se consolidassem como vemos hoje".

Confrontos

Através do WhatsApp do DIA (98762-8248), moradores de Campo Grande relataram tiroteios na noite de anteontem nas comunidades do Rola 1, Rola 2 e Cesarão.

O DIA ligou para o campus da Unisuam da Avenida Cesário de Melo e o atendente informou que os alunos ficaram assustados com as informações de tiroteios e deixaram as aulas. Segundo o rapaz, a instituição não fechou as portas, como se chegou a noticiar durante o dia de ontem. Procurada, a assessoria de imprensa da Unisuam, não se pronunciou.

A Secretaria de Segurança não respondeu aos questionamento do DIA sobre a guerra da Liga da Justiça e o lucro do grupo.

Combate

Para o ex- secretário nacional de Segurança Pública, coronel PM de São Paulo, José Vicente da Silva, sem combater os ganhos, não se vencerá a milícia. "É preciso combater o crime como se combate uma praga. Induzir o consumidor a não pagar para eles, enquanto a polícia faz o seu trabalho de prender. Mas não adianta prender uma liderança se o substituto continua ganhando dinheiro e, consequentemente, poder".

Segundo o especialista, o estado precisa criar mecanismos que tragam dificuldade para que os paramilitares cometam as extorsões típicas da milícia. 'É o que os estudiosos chama de 'custo do crime'. Se esse custo fica alto, o criminoso recua, mas para os milicianos, atualmente, o custo é baixo".

José Vicente cita um exemplo vitorioso na Itália. "Para inibir a prostituição de rua, o governo melhorou a iluminação e instalou câmeras. As prostitutas continuavam ali, mas os clientes se afastaram para não serem flagrados. No caso do sinal de TV, recursos tecnológicos podem impedir isso e, quanto ao gás, cabe ao poder público oferecer o serviço legalizado", sugeriu.

Tipos de milícia

O coronel José Vicente diferencia a atuação de milicianos e traficantes. "O tráfico tenta deixar o morador fora de seus negócios, já para a milícia, a vida do morador, aquilo que ele necessita é o seu faturamento. São varejos de conveniências domésticas e os milicianos entram na casa e na vida das pessoas".

Delegado da Polícia Civil, então titular da 32ª DP (Taquara), Pedro Paulo Pinho explicou na CPI da Alerj os níveis de milícias, surgidas a partir do anos 90. Segundo ele, no nível 1 estariam os grupos paramilitares de extermínio criados nos moldes da milícia de Rio das Pedras, vinte anos atrás. "Na ausência do Estado, os próprios moradores se organizaram para impedir a entrada de traficantes, assaltantes e ladrões, constituindo também as Associações de Moradores.

No nível 2, os líderes comunitários passam a sobreviver das associações e, para tal, iniciam a cobrança de taxas para quem deseja entrar na comunidade. As associações passam a apoiar candidatos a cargos parlamentares como forma de ter um representante de suas reivindicações nos poderes constituídos, como o Legislativo.

"No nível 3, os líderes comunitários vêem a possibilidade de novos ganhos e passam a cobrar pelos serviços de distribuição do gás, TV a cabo, transporte alternativo. As associações não são mais necessárias e os milicianos passam a disputar as eleições".

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