Por paulo.gomes

Rio - Retratada e discutida em novela global, a ação de exploradores sexuais saiu de cena anteontem na vida real, ao menos nos arredores da Quinta da Boa Vista. Batizada de Anjos da Rua, a operação de policiais da 17ª DP (São Cristóvão) prendeu Cláudio Correia de Melo, o Boca, apontado pelos investigadores como um dos maiores exploradores de crianças e adolescentes daquela região.

Com mandado de prisão pendente por homicídio — e com pena de 16 anos cumprida pelo mesmo crime — ele é acusado a forçar jovens, muitas delas carentes e vindas da Baixada, a pagar diária para se prostituírem. Cláudio foi preso em flagrante quando recebia o dinheiro de uma das adolescentes, de 15 anos. Outras duas menores e três adultas, vítimas da exploração, foram levadas para a delegacia para prestar

A ação policial, porém, revela a ponta de um iceberg. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, ocorrem no Brasil, por ano, cerca de 100 mil casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Mas menos de 20% desses casos, contudo, chegam ao conhecimento das pessoas encarregadas de tomar providências.

Associação de moradores quer que a Quinta seja policiada e aberta à noite para o lazer da população André Luiz Mello / Agência O Dia

“O trabalho dos investigadores conseguiu, além de cumprir um mandado de prisão preventiva por homicídio contra o acusado de explorar as menores, com vídeos e fotos, ganhar a confiança dessas vítimas, que deveriam estar na escola e não nesta situação. A polícia precisa ter psicologia”, comentou o delegado Mario Luiz da Silva.

Boca cobrava, segundo a polícia, um percentual sobre os programas sexuais, mas segundo as investigações, o faturamento não era grande. “A prostituição de rua está em decadência por causa das operações e de mais câmeras nas ruas, que inibem os clientes, mas um fator que quase sempre encontramos é a prostituição ligada ao tráfico de drogas. Neste caso específico, não identificamos, mas as investigações sobre os grupos que agem na Quinta continuam”, adiantou Mario.

Presidente da Associação de Moradores e Amigos (AMA) de São Cristóvão, o empresário Luiz Fernando Dutra dos Santos, 58, a Quinta deveria ser segura e ficar aberta, inclusive à noite, para os moradores. “Com policiamento, melhor iluminação e câmeras, seria possível que a população desfrutasse de um espaço para lazer.”

A PM informou que o comando do 4º BPM (São Cristóvão) determinou reforço no patrulhamento para garantir a segurança dos moradores e inibir a exploração.

Nas favelas, favores em troca de sexo com menores

A Secretaria Municipal de Assistência Social realizou uma pesquisa em 2007 e constatou que 223 crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos se encontravam na condição de exploração sexual na cidade. Quinta da Boa Vista e Lapa eram os principais pontos de concentração. A maioria trabalhava no fim da noite e de madrugada, todos os dias da semana, sendo que 72% eram meninas, 23% travestis e menos de 5%, garotos. Do total, 122 foram encaminhados para tratamento. Um ano depois, foram notificados 196 atendimentos, uma alta de 60%.

Segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, novo nome da pasta, desde o ano passado, através de uma parceria com o Ministério Público do Trabalho, há capacitação de guardas municipais e PMs para combate ao crime, identificação e o encaminhamento de crianças e adolescentes flagrados em situação de exploração sexual. Ao todo, foram capacitados 3 mil agentes.

Além da prostituição típica, há, de acordo com a ONG Instituto Promundo, uma prática semelhante identificada por uma pesquisa realizada em 35 comunidades carentes do Rio. Homens mais velhos prestam pequenos favores para adolescentes, como colocar créditos em celulares, pagar um lanche e se aproveitam dessas abordagens para conseguir sexo.

“Ouvimos 600 homens e mulheres no Rio e a amostragem revela que, para 81% delas e 70% deles, a vítima tem a escolha de trocar esses favores por sexo ou não. Outros dados que mostram que a cultura é de inocentar o agressor: para mais de 40% dos grupos a prostituta é ‘moralmente’ errada. Para a maioria, um adulto praticar sexo com menor não é errado se o adulto não for comprometido”, detalhou o pesquisador Marcio Segundo.

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