Por nicolas.satriano

Rio - O sírio Omary Hawary, de 20 anos, está no Brasil há sete meses, mas ainda carrega as cicatrizes da memória recente da guerra em sua terra natal. Uma fratura exposta em suas costas é o resultado do espancamento que sofreu por três soldados do Estado Islâmico e ainda não conseguiu assistência médica no Brasil, mesmo há sete meses no país.

Submetido a sessões de tortura pelos soldados, seus braços foram queimados de cigarro e as pernas estão marcadas de ferimentos causados por bombas. Tímido e sem falar qualquer palavra em Português, Omary se “refugia” em uma loja de salgados árabes em Copacabana, ajudando na cozinha.

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“Meu sobrinho acorda de noite chorando de dor, mas não conseguimos nenhuma ajuda do Brasil. A Polícia Federal deu o visto para Omary, mas disse que não se responsabilizaria mais por ele”, disse o tio do jovem, Marway, de 40, também sírio e residente no Brasil há 15 anos. O vendedor de salgados afirma que sua família foi devastada pela guerra: ele perdeu tios, primos e amigos. Os outros estão espalhados pelo mundo.

Hozan (E) veio para o Brasil com objetivo de chegar à Alemanha. Daruos (E) já tentou%2C mas não teve sorteErnesto Carriço / Agência O Dia

Na Paróquia São João Batista, em Botafogo, o cenário não é diferente. O local abriga nove sírios, que vieram para o Brasil nos últimos cinco meses, também fugidos da guerra. Eles recebem moradia e comida por um curto período de três meses, graças a um convênio com a entidade de defesa dos direitos humanos Cáritas, ligada à Igreja Católica.

O pároco, padre Alex Coelho Sampaio, entrou até em uma aula de árabe para melhor se comunicar com o grupo, que cada vez aumenta mais. Segundo a Cáritas, até julho, o Rio já recebeu mais sírios do que no ano passado inteiro, quando acolheu 30.

“Eles chegam muito machucados e abalados psicologicamente. Teve um que foi ferido por policiais italianos e acordava de madrugada gritando. Uma médica voluntária teve que lhe dar remédio para acalmar”, conta o padre.

Segundo ele, depois de três meses, os sírios são orientados a trabalhar ou buscar outros abrigos, por conta da alta rotatividade do local. Mas isso também não é problema para o grupo, já que o Brasil é usado apenas como rota para chegar na Europa sem riscos.

Também não há ânimo para fazer turismo, já que estão longe dos filhos e esposas. “O Brasil é hospitaleiro, mas países como Alemanha oferecem moradia e bolsas. Também ajudam a unir de volta nossas famílias, que estão na Turquia”, conta Amed, 40, pai de três meninos, arranhando no inglês. Com um dos filhos, de apenas cinco meses, Amed só conviveu por um mês.

Omary%2C 20 anos%2C teve braços queimados por cigarros pelos soldados e as pernas%2C feridas por bombasErnesto Carriço / Agência O Dia

Jovem sonha com Alemanha

O Brasil também tem servido para evitar destinos trágicos da juventude da Síria. O jovem Hozan Morad, de 16 anos, está há três meses no país, fugido do exército islâmico. Pela idade, Hozan seria obrigado a se tornar soldado e entrar para a guerra sangrenta.

Por isso, os pais, que ainda estão na Síria, juntaram suas economias e o mandaram para o Brasil. O mesmo fizeram com o filho mais velho. “Vou tentar chegar à Alemanha, onde meu irmão mais velho está”, disse, em árabe, acompanhado dos novos amigos do abrigo.

O comerciante Daruos, 40, traçou o mesmo plano, mas não foi bem sucedido. Ao tentar embarcar no Aeroporto Internacional Tom Jobim para a Europa, a Polícia Federal verificou problemas em sua documentação e o mandou para a prisão.

Dos três meses em terras brasileiras, Daruos passou um na prisão. Sem falar uma palavra em português, o homem que vendeu toda a sua loja para viajar para o Brasil não sabe o nome do presídio, nem o lugar que ficou. “Tenho que esperar agora o juiz me liberar para conseguir embarcar de novo”, diz Daruos, mostrando, emocionado, o retrato de filho de 5 anos no celular.

Até agosto de 2015, os consulados do Brasil no exterior concederam 7.801 vistos e 2.077 sírios foram reconhecidos como refugiados no país. Segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados, o Brasil é o país latino-americano que mais acolheu refugiados sírios desde o início da crise no país. 

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