Rio - A cor azul representa a harmonia. E foi esse o tom usado pela prefeitura para pintar a ciclovia do Complexo da Maré, uma tentativa de ‘apaziguar’ os ânimos na região. Mesmo contrariando o Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito, que determina que o vermelho seja usado para demarcar áreas de ciclovias e ciclofaixas, a cor da rota foi alterada, segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, responsável pelo projeto, para “atender um pedido dos moradores.”
A Maré é a primeira favela a ganhar uma ciclovia na cidade, em fase de implantação e com extensão de 22 quilômetros.Com 11 das 15 comunidades do complexo dominadas pela facção Terceiro Comando Puro (rival do Comando Vermelho), eles temem uma guerra entre as quadrilhas.
Em nota, a Secretaria do Meio Ambiente informou que, no caso da Maré, “a ciclofaixa teve que ser pintada na cor azul a pedido de moradores e da Associação de Moradores.” Ainda segundo a assessoria do órgão, a Prefeitura do Rio tem regras diferenciadas para obras em comunidades — como o Manual de Projetos e Programas para Incentivar o Uso de Bicicletas em Comunidades —, para atender às demandas específicas de cada área.
De acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), a cor vermelha deve ser usada para demarcar ciclovias ou ciclofaixas. Já a azul, serve como base para inscrever símbolo em áreas especiais de estacionamento ou de parada para embarque e desembarque para pessoas portadoras de deficiência física. Alguns moradores da Maré — ocupada durante um ano e três meses pelas Forças Armadas e que há cinco meses passou a missão para a Polícia Militar —, dizem desconhecer a suposta ordem de mudança da cor da ciclovia, que teria partido de traficantes do TCP.
“Muitos dizem que não se deve usar vermelho aqui dentro, mas nenhum morador teve influência na decisão da escolha da cor. Vivo há 52 anos na Maré, e nunca passei por este problema”, garantiu o presidente da Associação de Moradores do Conjunto Esperança, Pedro Francisco dos Santos.Uma moradora que não quis se identificar contou que em algumas favelas a cor vermelha é evitada em faixas, cartazes e até em propagandas internas, para não gerar revolta de criminosos.
“Um afronta ao estado”
Especialistas em Segurança Pública do Rio consideram que o estado foi afrontado ao pintar a ciclovia com cor não permitida. Mesmo que o pedido tenha sido feito por moradores.
“É deprimente ver que após mais de seis anos que a polícia iniciou o processo de retirada de armas das comunidades, os moradores da Maré ainda se submetam a mandos irracionais de traficantes”, lamentou Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes.
Para o coronel Paulo Amêndola, a lei imposta por traficantes, como o simples uso de um tipo de cor, ainda é vista em comunidades. “Geralmente quem dá essas ordens são ‘crias’ da favela. O governo não pode abaixar a cabeça para o tráfico”, reclamou.