Por felipe.martins

Rio - A fé que move montanhas é ainda o principal trunfo dos lojistas do ramo que, para não amargar prejuízos com as vendas de balas e doces para o Dia de Cosme e Damião — lembrado domingo por católicos e adeptos de religiões afro-brasileiras — por causa da crise econômica e do dólar nas alturas, estão fazendo promoções que chegam a reduzir os preços das guloseimas em até 20%. A tentativa de alavancar o comércio se mistura com o esforço dos devotos para manter viva a tradição de se distribuir os quitutes em homenagem aos santos gêmeos. Ambos, segundo a crença, morreram em 300 depois de Cristo.

Cosme e DamiãoReprodução

No Mercadão de Madureira, que concentra as 25 maiores lojas atacadistas de balas e doces do Rio, o movimento começou a melhorar esta semana, segundo os vendedores — e eles têm fé em bater a meta de vender 200 toneladas de guloseimas até domingo. “Há preços para todos os bolsos. Basta ter disposição para andar e achar as melhores ofertas”, garante Sheila Reis, funcionária da administração do Mercadão. Pelo sim, pelo não, ela revela que tem acendido duas velas por dia “para as coisas melhorarem”.

Maristane Rosa Cabral, dona de uma das lojas, acredita que as vendas vão aquecer até o fim de semana. “Nossos santos protetores nunca nos deixaram na mão. Não vai ser dessa vez que vão deixar”, brinca Maristane, às garbalhadas.

No Centro de Abastecimento do Estado da Guanabara (Cadeg), em Benfica, Jorge Emanuel dos Reis, dono das quatro lojas de doces e balas do complexo, diz que o desafio é recuperar as vendas de 30 anos atrás. “Tenho fé. Há três décadas eu vendia, por exemplo, 400 caixas (casa uma com 50 unidades) de maria-mole na véspera de Cosme e Damião. Hoje, não passam de 30”, lamenta, ressaltando que já teve 30 funcionários, o dobro de agora.

Antônio Tanque, novo dono da marca da famosa Juquinha, que voltou ao mercado este mês, e que também tem lojas no Mercadão de Madureira, lembra que as vendas nesta época já chegaram a ser superiores a 150% na década passada. “Parece que a crise afeta até a devoção aos santos. Mas somos otimistas. Ninguém deixa de comprar bala. Com R$ 1 se enche uma mão”, compara o empresário, que até o fim do ano espera vender 600 toneladas do icônico produto.

Hoje, o Brasil é o terceiro maior produtor de balas do mundo, atrás somente dos Estados Unidos e da Alemanha. Mesmo com as dificuldades financeiras dos brasileiros, o setor movimentou, só em 2014, mais de R$ 9 bilhões.

“Todos os anos dou balas no Dia de Cosme e Damião. É uma promessa para que meu filho, Marcus Vinícius, de 6 anos, que nasceu justamente nesse dia, tenha sempre saúde”, justifica a camareira Kátia Regina Porto, 42.

RELIGIÕES CONDENAM DISTRIBUIÇÃO DE GULOSEIMAS

Pesquisadora do Colégio Brasileiro de Genealogia (CBG), Cinara Jorge diz que, além da ‘verticalização das cidades’ — mais prédios no lugar de casas —, a condenação de alguns grupos neopentecostais, que relacionam as guloseimas ao ‘demônio’, tem contribuído para reduzir um pouco a intensidade e o brilho da tradição dedicada a Cosme e Damião.

“Mas a data que sempre marcou a juventude continua viva nos corações, embora hoje em dia quase não se vej mais a correria da criançada pelas ruas. O que se vê com mais frequência são as crianças evangélicas sendo proibidas de aceitar as oferendas e outras, que podem aceitar, sendo levadas em alguns pontos de distribuição fixos. Isso acentua a perda espontânea de parte da graça, da alegria e do próprio sentido religioso e folclórico de outrora”, lamenta Cinara Jorge.

“‘Ali tá dando doce!’ Essa era a senha para que em festivo e desenfreado pique a garotada chegasse às casas”, lembrou, num artigo escrito para O DIA, João Baptista Ferreira de Mello, do Núcleo de Estudos sobre Geografia Humanística da Universidade do Estado do Rio (Uerj), concordando com Cinara. A tradição sobrevive, mantida por católicos, umbandistas e candomblecistas, mas atualmente “menos encantadora por conta da intolerância religiosa”.

Maristane Rosa Cabral diz que há 32 anos distribui doces, balas e brinquedos, porque acredita que Cosme e Damião curaram seus filhos, Mauro, 32, e Mário, 33, da asma. Este ano ela vai dar 300 saquinhos a crianças de três comunidades carentes. “Mas, para evitar acidentes e atropelamentos, eu prefiro que creches e associações façam a distribuição”, argumenta.

Diz a lenda que Cosme e Damião se dedicaram à medicina, por isso também a dupla é a protetora dos enfermos e da caridade. Para agradar às crianças que consultavam com eles, tidos ainda como milagreiros, os irmãos distribuíam doces a elas. Os gêmeos nasceram em Egeia (agora Ayas, no Golfo do Iskenderun, na Turquia).

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