Por bianca.lobianco

Rio - Levantamento do serviço reservado da UPP da Providência sobre a estrutura do tráfico local chegou a uma conclusão aterradora: pelo menos 90% dos traficantes da favela são menores de idade. Os números estão num documento que circula na PM sobre as estratégias de combate ao crime na região, palco da morte do menino Eduardo Felipe Santos Victor, cuja alteração da cena do crime foi filmada por um morador.

“O que a gente vê na Providência são menores de idade, em sua grande maioria de 14 a 18 anos, que poderiam estar se beneficiando de nossos projetos”, conta o comandante da unidade, major Roberto Valente. Segundo ele, a UPP atende 350 crianças em atividades como cursos de inglês, informática e jiu-jítsu, em parceria com ONGs e o Sesi. “Temos vários cursos que não conseguimos preencher as vagas. O de soldador submarino, por exemplo, não teve nem 40% de inscrições.”

A truculência policial na Providência horrorizou o Brasil quando cinco policiais mudaram a cena do crime e encurralaram um rapaz de 17 anos que teria se rendidoAndré Luiz Mello / Agência O Dia

O documento mostra que o tráfico está espalhado pela parte baixa da comunidade, onde se localiza a Pedra Lisa, local onde Eduardo Felipe morreu. Segundo a investigação, que está sendo feita em conjunto com a Polícia Civil, os menores ficam nesta região se aproveitando da circulação diária de um milhão de pessoas pela Central do Brasil. O principal produto é o crack. Nos últimos 15 meses foram presas 140 pessoas e apreendidas 4.864 unidades da droga, três metralhadoras, dois fuzis, 12 pistolas e dois revólveres.

“Os menores se sentem encorajados ao saber de confrontos em comunidades da mesma facção que a sua. E não têm medo”, diz o documento. Em geral eles dão um tiro na direção da patrulha, quando são surpreendidos num beco, e saem correndo. Muitos policiais não revidam para evitar balas perdidas.

Segundo o major Valente, há relatos que apontam o reconhecimento de menores que já atuaram nos projetos sociais da UPP quando eram crianças. “Outro dia um deles perdeu o braço ao jogar uma bomba caseira num posto policial e, ao ser socorido, chorou ao reconhecer o policial como seu ex-professor. Este menino foi apreendido e já está de novo com eles. Mudar esta mentalidade é um trabalho longo.”

O comandante acredita que somente a continuidade dos projetos sociais e a parceria com a nova diretoria de Associação de Moradores pode ajudar a reverter o problema que se repte na favela. “Lugar de criança é na escola. A gente fica triste quando vê um pai que deixa seu filho com a gente gritando ‘Fora UPP’. Mas entendo. Mudar esta cultura demora.”


CPI apura violência policial e autos de resistência

A Alerj decide nesta terça-feira sobre a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar homicídios decorrentes de violência policial, os chamados autos de resistência. O pedido foi feito em agosto pelo deputado Rogério Lisboa (PR), mas será desengavetado por conta da morte do jovem Eduardo Felipe Santos Victor, de 17 anos, no Morro da Providência, na semana passada.

Cinco PMs foram presos por envolvimento na morte e pela simulação de um confronto entre policiais e o rapaz na cena do crime. O pedido original mencionava relatório da Anistia Internacional cuja conclusão indicava alto número de mortes cometidas por policiais: entre 2005 e 2014, 8.466 pessoas foram vítimas de PMs, média de dois por dia.

Se aprovada, a CPI será a terceira da fila para ser instalada, todas da área de segurança pública: as outras duas são do deputado Carlos Minc (PT), que irá investigar o sumiço de armas das reservas da PM, da Secretaria de Administração Penitenciária e do Corpo de Bombeiros a partir de denúncia feita pelo DIA; e outra do deputado Paulo Ramos (Rede), para investigar mortes de policiais.

Três comissões investigam segurança

As três novas CPI dependem do encerramento de outras três das sete em andamento para serem instaladas. Uma já teve o relatório votado (Telemarketing), enquanto outras duas serão votadas nesta semana (Crise Hídrica e Petrobras). Assim, as novas CPIs poderão ser instaladas em até 15 dias.

Para Rogério Lisboa, o fato de todas versarem sobre um mesmo tema - a segurança pública - mostra que o assunto "incomoda mais que os outros" no Rio de Janeiro. "Os números de autos de resistência são impressionantes. Investigar isso é fundamental", opinou ele, que comentou o caso de Eduardo e destacou ter sido uma "coincidência" entre o crime e a retirada da CPI da gaveta.

"Se uma pessoa comete um crime, ela deve pagar. Se ela se entregou e o PM cometeu um assassinato, ele deve ser punido também. Não temos pena de morte nem um tribunal de rua no Brasil".

Na Câmara Federal, truculênica policial também é debatida. A CPI da violência contra Jovens Negros pediu o fim do auto de resistência.

Você pode gostar