Rio - O que o eterno símbolo dos estúdios Walt Disney, o Mickey, tem em comum com o Super Homem? Qual é a semelhança entre o simpático cowboy Woody, da trilogia "Toy Story", e o arrogante Tony Stark, milionário por trás da armadura do Homem de Ferro? A resposta mora nas cordas vocais de um time de brasileiros que há décadas emprestam suas vozes para alguns dos mais queridos personagens da TV e do cinema.
A dublagem chegou ao Brasil na década de 1930, com o primeiro longa-metragem da Disney, "Branca de Neve e os Sete Anões". Em 1946, Herbert Richers (lembra da 'versão brasileira, Herbert Richers'?) fundou o primeiro estúdio 100% nacional, que funcionava na Zona Norte e chegou a concentrar quase 80% da produção. Anos depois da falência da empresa, o Rio continua a ser considerado o maior pólo de dublagem do país.
Dar voz aos personagens que marcaram a infância de pelo menos duas gerações é tarefa de super-herói, mas quem encara o desafio é o dublador do Buzz Lightyear. "A reação dos fãs é emocionante. Existe uma relação familiar entre o dublador e o público. Costumo dizer que nós fomos babás eletrônicas de muita gente", conta o ator Guilherme Briggs, que interpretou o Mestre Yoda, em "Star Wars".
Briggs, que também é diretor de dublagem, associa a preferência nacional pelas versões em português - cerca de 60%, segundo o Portal Filme B - ao cuidado com a adaptação do texto. "A espinha dorsal de uma boa dublagem é a tradução. É preciso adaptar expressões estrangeiras à realidade brasileira, sem destruir o sentido original", explicou.
Quem também alterna entre os microfones e a direção é o ator Marco Ribeiro, que dá voz ao divertido Michael Kyle, de "Eu, a Patroa e as Crianças". "A gente sabe que o trabalho foi bem feito quando as vozes se encaixam e não fica evidente que o filme foi dublado. É preciso ter uma excelente leitura e passar emoção com a voz", afirmou.
A versão brasileira de "Yu Yu Hakusho", na qual Marco dublou o protagonista Yusuke, rendeu o prêmio de melhor dublagem já feita em animes. "Tivemos o cuidado de inserir gírias tipicamente nacionais. Foi um excelente trabalho", ponderou.
Além do triunfo das personagens femininas no cinema, o sucesso de "Frozen" foi comemorado como outra vitória da dublagem nacional. O filme ganhou versões em 41 idiomas e, só no Brasil, vendeu mais de 4 milhões de ingressos. A responsabilidade de interpretar a canção "Livre Sou", versão brasileira da vencedora do Oscar "Let it go", ficou a cargo da atriz e cantora Taryn.
"Como sou cantora de jazz, o público é mais restrito. Hoje me sinto parte do universo das crianças. A Elsa mudou a minha vida", contou a entrevistada, que chegou a receber uma carta de reconhecimento da Disney por sua contribuição para o sucesso do musical.
Entretanto, nem tudo são contos de fada. De acordo com o ator Philippe Maia, voz do ratinho Remy, em "Ratatouille", e de Sam Winchester, na série "Sobrenatural", viver da dublagem não é fácil. "Conheço muitos atores que são médicos, advogados, publicitários. O dublador, para ganhar bem, tem que trabalhar o dia inteiro. Além disso, é uma profissão que exige muito do corpo. Infelizmente, há uma tendência de desvalorizar esse profissional", contou.
Crianças do Complexo do Alemão recebem recados dos personagens
Duas semanas após a morte do dublador Caio César, que dava voz ao bruxo Harry Potter e atuava como policial na UPP do Complexo do Alemão, O DIA esteve na comunidade para conversar com crianças do projeto VidArte. Os pequenos se emocionaram ao ouvir as vozes de seus personagens favoritos.
As amigas Luiza e Yasmin, de 6 anos, e Katlyn, de 5, foram homenageadas pela Rainha Elsa, e responderam com sua própria versão de ‘Livre Estou’. “A parte que ela canta é a minha favorita”, elogiou Luiza.
Já Ithalo, de 6 anos, quer ser um astronauta, e ganhou o dia com um “oi” do Buzz Lightyear e do Woody. “Acho a voz dele bonita, mas gosto mais da Jessie”, respondeu, sorridente.
Os colegas Thallys e Nicolas, 5 anos, são fãs de ‘Transformers’, e ficaram empolgados com o abraço do Optimus Prime, também dublado por Guilherme Briggs. Thallys deixou um pedido especial ao líder dos robôs. “Quero que você proteja meus amigos e minha casa. Eu te adoro!”, disse o pequeno.
Segundo o ator Philippe Maia, Caio se tornou policial para contribuir com a segurança da cidade. “Apesar das dificuldades, ele gostava do que fazia. Sempre tentava ser amigo das crianças da comunidade.”
Reportagem da estagiária Maria Clara Vieira