Rio - O soldado Neandro Santos de Oliveira, do 31º BPM (Recreio), pode ser o 60º policial assassinado este ano no Rio. Ele desapareceu na noite de segunda-feira ao ser identificado no Chapadão, em Costa Barros. A Delegacia de Homicídios da Capital (DH) tenta descobrir se algum dos corpos carbonizados encontrados ontem na região é do PM. O caso ilustra a rotina dos policiais no Rio, estado campeão de mortes de agentes de segurança, de acordo com o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em 2014, foram 98 policiais assassinados, quase 25% dos 398 agentes mortos no país.
Veja dados sobre as mortes de PMs em todo o Brasil
Números do Instituto de Segurança Pública mostram que, em 2015, o número de policiais mortos em serviço, 19, já supera o total de todo o ano passado, 17. A cada ano, os índices se aproximam dos patamares anteriores às UPPs. Em 2008, quando a primeira foi criada, foram 26 policiais executados.
De acordo com a socióloga e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Candido Mendes, Julita Lemgruber, o erro está na estratégia da política de segurança, que optou pelo enfrentamento. “Essa opção se fez inclusive em áreas de UPP. O número de mortos, sejam policiais, criminosos ou inocentes, cresce. Pagamos todos um preço muito alto, e o estado precisa salvar a proposta de polícia comunitária, que está se perdendo”, avalia Julita.
O diretor executivo da Anistia Internacional, Atila Roque, vê na guerra às drogas o fator principal da violência. “A política de segurança que privilegia o confronto direto e incursões recorrentes nas áreas de favelas e periferias contribui para este número alarmante. É como se disséssemos que as vidas desses jovens, policiais e moradores são descartáveis. O preço é uma polícia que mata e morre muito.”
Para o sociólogo e ex-oficial do Bope Paulo Storani, os governantes precisam agir em conjunto. “Os municípios fogem quando o assunto é segurança. Os estados parecem falidos, e o governo federal não toma as rédeas. Houve ainda, no Rio, enfrentamento com as facções criminosas, com tentativas de retomar comunidades ocupadas pelas UPPs.”
Descoberto pela escala de serviço
O soldado Neandro Santos de Oliveira foi abordado em falsa blitz na Rua Alcobaça, na comunidade Final Feliz, na noite de segunda-feira. De acordo com o 41º BPM (Irajá), o militar fora descoberto porque estava com a escala de serviço. No carro dele, abandonado, foi encontrada a identidade de PM suja de sangue.
O veículo também tinha marcas de tiros. Alguns dos disparos teriam sido feitos de dentro do carro, o que indicaria que Neandro reagiu. A mulher dele está grávida de quatro meses.
Homens do batalhão de Irajá fizeram operação pela manhã à procura do militar. Foram apreendidos um fuzil, uma pistola e uma granada, e três suspeitos foram detidos. Nas buscas, três corpos carbonizados foram removidos para o IML. “Vamos nos dedicar ao máximo. Não dá mais para aceitar a morte de tantos policiais. É inaceitável”, disse o diretor da Divisão de Homicídios, delegado Rivaldo Barbosa.
Mudança da cultura do PM integral
De acordo com o subsecretário de Educação, Valorização e Prevenção da Secretaria de Segurança, Pehkx Jones, a maioria dos policiais morre nas folgas, pois se expõe.
“Estamos alterando uma cultura. De folga, ele não tem que andar armado ou fardado, pois está sozinho e existe o fator surpresa do criminoso. É um trabalho de psicologia”, define. Jones ressalta que o número de policiais mortos em serviço é até menor que a série histórica. “Tínhamos média de 25 policiais mortos na década de 90 e, ano passado, foram 17 em serviço.”
Mas a formação, que Jones garante estar mudando, ainda é alvo de críticas. “O praça vai para as ruas sozinho, sem amparo legal, moral ou psicológico dos superiores. O modelo da PM está falido. Quando há uma operação da Polícia Civil, lá está o delegado. Então, coronéis têm que ir para a rua também”, ressaltou o presidente da Associação de Soldados e Cabos da PM, Vanderlei Ribeiro.
Para Paulo Storani, a morte de um policial não comove a sociedade. “Parece que o agente foi criado em laboratório: não tem pai, mãe, filho, totalmente descartável. Já com o bandido, isso não ocorre.”