Rio - No olho do furacão, administrando uma das piores crises financeiras da história do estado, o secretário de Fazenda, Julio Bueno, não usa meias palavras para apontar o único caminho, segundo ele, para evitar “o caos” nos serviços públicos em 2016 ou 2017. Segundo o homem das finanças de Pezão, se o governo federal e os governadores não adotarem medidas drásticas, como uma reforma previdenciária que adie tempo de aposentadoria, a quebra da estabilidade do servidor público e uma moratória negociada de três anos nos juros das dívidas dos estados com a União, não haverá alternativa para estados como o Rio a não ser o calote. “A previdência é dramática.E absurdamente central fazer isso, e vai quebrar todo mundo se não for feito”. Para ele, sem enfrentar o problema em aliança com os governadores, o governo Dilma corre o risco de repetir o de Fernando de la Rúa na Argentina, em 2001, que “se liquefez pelas províncias e foi à debacle”. Julio Bueno leva amanhã ao Palácio Guanabara a sugestão de criar uma lei de responsabilidade fiscal estadual.
O DIA: Qual é o tamanho do buraco?
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JULIO BUENO: O buraco cresce a cada minuto, por uma questão muito simples: a arrecadação diminui a cada minuto. Não é uma questão só do Rio, é do Brasil. Quando o orçamento foi feito em 2014, o ICMS previsto para 2015 era de R$ 37 bilhões, e hoje temos R$ 31 bi. O petróleo estava a US$ 120 o barril, hoje bateu US$ 43. O déficit previsto em fevereiro era de R$ 13,5 bilhões, hoje está em R$ 16 bi. A gente só conseguiu fazer quase R$ 13 bilhões.
Mas as coisas não aconteceram de uma hora para a outra. Não deveriam ter feito cortes antes, ser menos otimista?
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De jeito nenhum. O que aconteceu na economia brasileira foi um tsunami, ninguém podia admitir um quadro recessivo desse tamanho. Todos os bancos previam uma recessão pequena, de 0,5%, mas chegou a 3,5%. Segundo ponto: a despesa pública no quadro institucional vigente é incomprimível. Nosso orçamento de despesas este ano é de R$ 65 bilhões: R$ 23 bilhões de pessoal, que é estável, R$ 16 bi de inativos, R$ 10 bi de transferências constitucionais aos municípios, R$ 8 bi de juros da dívida do estado, basicamente com a União, e sobram R$ 8 bi para todas as despesas: pagar hospitais, bibliotecas, merenda e tudo mais. Essa é a tragédia da área pública brasileira.
E qual é a saída?
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A saída não é só para o Rio, somos todos sócios da crise. Por exemplo, eu não consigo mexer na previdência, na idade mínima da aposentadoria. Não consigo estabelecer o piso do salário mínimo, desvincular da previdência. A vinculação de recursos é de uma burrice oceânica. De R$ 100 que entram, R$ 91 já têm destinação. A questão estruturalmente só se resolve no Congresso Nacional. Então tem que aumentar a receita. Mas já fizemos receitas extras, o governador tem feito coisa de maluco, vendendo dívidas, negociando. Mas ainda não dá, precisamos cortar mais. Acho que ele vai tirar o carro do secretário de Fazenda, vou ter que trabalhar de metrô.
E os R$ 8 bilhões de juros da dívida?
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Tem que renegociar. A gente está pagando de juros perto de 16%. Devíamos R$ 22 bi em 1997, quando fizemos a renegociação, já pagamos R$ 40 bi e ainda devemos R$ 60 bilhões. Municípios, estados e governo federal precisam negociar uma agenda de cortes, que envolvem previdência, desvinculação de recursos, redução de cargos de confiança e redução de custeio sobre o PIB. Se o governo fizesse articulação, os governadores entrariam na briga pela reforma da previdência porque seriam favorecidos. O governo precisa do apoio dos governadores.
Então não existe solução sem cortar a previdência?
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A previdência é dramática. O déficit atuarial da previdência federal é de R$ 1,2 trilhão, e dos estados é de R$ 2,4 trilhões. São R$ 3,6 trilhões. É absurdamente central fazer isso, e vai quebrar todo mundo se não for feito.
O que seria quebrar?
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Não vamos conseguir cumprir com os nossos deveres, como Saúde, Segurança, ou seja, um caos. Se a gente não fizer a reestruturação, o caos pode não acontecer em 2016, mas vai acontecer em 2017.
Qual é a reestruturação possível?
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Sobre as despesas previdenciárias, o jeito é fazer daqui para frente e ir acertando. Não pode ter gente que se aposenta com 48 anos. Temos aposentadorias especiais demais no Brasil. Há uma lista de coisas para fazer. Vai demorar, mas vamos ajustando e diminuindo o déficit. Isso é o lado da despesa. Fazendo isso, tem que ir para o lado da receita. E para aumentar a receita, a primeira providência é aumentar imposto, lamento dizer isso à sociedade brasileira.
Como será 2016?
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Do jeito que vai, vai bater na parede. Se continuarmos nessa trajetória, vamos chegar a uma crise sem precedentes.
O senhor acha que deveria quebrar a estabilidade do servidor público?
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Eu particularmente acho que sim. É uma questão que se tornou tabu. É claro que há funções de Estado que a gente não devia fazer, como auditor fiscal ou funcionários do Itamaraty. Essa agenda de custeio tem que ser feita, e também a agenda da receita, inclusive a CPMF, que eu sou a favor.
Existe uma forma de aumentar a produtividade do serviço público sem quebrar a estabilidade?
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Acho que sim. Não quero demitir pessoas, ao contrário, quero que elas sejam felizes e contribuam. Mas é claro que demissão de quem não tem zelo é um instrumento que temos que ter. É claro que a meritocracia é outra coisa importante. Quando eu falo da estabilidade, é uma questão emblemática, mas para aumentar a produtividade não é só demitir.
Quanto o estado tem a receber de devedores?
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Temos na dívida ativa R$ 66 bilhões. São dívidas que pedimos para a Justiça executar. Na inadimplência, R$ 7 bi. E tem uma terceira parte que são os autos de infração, ainda na ordem administrativa, em torno de R$ 20 bi.
E qual a perspectiva de receber isso?
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Fizemos alguns programas, fizemos 12 leis para tentar receber. Recebemos muito, de R$ 3 bi a R$ 5 bi. Fizemos um Refis agora, não sei quanto vamos receber. O mercado está muito ruim, as empresas estão com dificuldades. Mas é um volume importante, R$ 93 bilhões, de crédito do governo. Nós temos um fluxo médio de recebimento, por ano, de R$ 350 milhões, que é apenas 0,5% da dívida ativa. É muito pouco. Então estamos securitizando a dívida ativa, para uma instituição financeira, provavelmente o Banco do Brasil, que vai emitir debêntures em cima desse fluxo e me ajudar a cobrar. É uma fórmula inédita no Brasil. Acho que vamos receber, no começo, algo na ordem de R$ 3 bilhões a R$ 5 bi. Outra coisa: 40% desses R$ 7 bi de inadimplência são de devedores contumazes, o cara diz que deve e não paga porque a lei o beneficia. Devemos fazer uma lei para coibir o devedor contumaz, caçar o registro dele. Tem que ser 2015 para começar 2015.
O que deve ser definido amanhã na reunião do governador com o secretariado sobre a crise?
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A proposta mais importante da reunião acho que é minha (risos). Eu vou propor uma lei de responsabilidade fiscal estadual. Já existe a federal. Eu vou propor uma estadual, rebatendo coisas que não estão previstas na federal.
Quais serão as mudanças a partir da lei estadual?
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Vou adiantar uma que o governador já aceitou. Tem uma coisa que é a maior distorção das finanças públicas no Rio de Janeiro. Hoje, você pega os royalties e as participações especiais e coloca isso para pagar a previdência e soma na receita corrente. Aí a dívida que eu pago ao governo federal, que é 13% da receita, esses royalties que estão usados aqui contam como base de cálculo e pessoal também. Eu uso um dinheiro contado duas vezes.
Excluir os royalties da base de cálculos? Isso significa que o gasto com a folha vai chegar nos 60% bem antes?
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Isso. Com isso o órgão vai ter que se adequar. Qual a minha proposta? Porque eu também não sou radical. Quero só chamar atenção para a questão de pessoas, das vinculações, por exemplo, Faperj, Ciência e Tecnologia, Fecan e etc.
Vai tirar as vinculações?
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Não pode estar vinculado a uma receita que já está usada. A terceira questão é a dívida da União, que eu estou pagando, também, em cima de uma receita que está usada.
Mas excluir só as receitas dos royalties ou mais alguma despesa?
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Não, só as receitas dos royalties das participações especiais que estão colocadas e somadas duas vezes. Qual é a proposta que nós estamos fazendo? Dez anos para virar zero. Vamos tirando aos poucos até zerar em dez anos.
Se a presidenta Dilma não topar aliviar a situação dos estados, o que o Rio pode fazer? Parar de pagar a dívida?
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Olha, por hipótese, sim. Por hipótese os R$ 65 bilhões que eu estou te contando, qualquer coisa a gente pode fazer. Parar de pagar pessoal, parar de pagar inativo. Parar de transferir para o município. Parar de pagar a dívida ou não pagar nada de fornecedor. Deixar de pagar a dívida é uma discussão política. Vai ter uma hora que talvez a gente chegue nisso.
Quando isso vai ser decidido? Esse convite para essa concertação nacional?
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Ah, o prazo limite é muito perto, muito. Estou falando de dois meses, três meses. Nós podemos não aguentar, Minas Gerais não vai aguentar também, Pernambuco também, além do Distrito federal. A gente está chegando no limite.
Quanto é a dívida no conjunto dos estados?
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R$ 50 bilhões. É um por cento dos juros que a gente está pagando no Brasil. O BNDES recebeu R$ 100 milhões para pagar com carência de 30 anos com 3% de juros ao ano.
Será que não dá para usar uma moratória de dois, três anos para os estados passarem?
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Claro, não é só isso. Tem que cortar pessoal, tem que cortar o carro do secretário. Tem que sofrer. Mas tem que acertar. Tem que ter previdência resolvida.
A sua proposta seria uma moratória de dois anos? Moratória total?
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A minha é três. No serviço da dívida com o governo federal. O governador não. Ele tem outras propostas. Eu é que estou aqui conservador. Não unilateral, não estou propondo uma moratória unilateral. Eu estou propondo uma moratória concedida e com contrapartida. De arrumar a máquina pública, vincular recurso.
Mas no início do ano houve redução de cargos comissionados, revisão de contratos...
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Acho que vai ser muito mais profundo. O que o governador vai querer é uma coisa muito mais profunda. A proposta nem é minha, está na mesa, cada setor terá que se adequar com o dinheiro. A mudança vai ser grande e o recurso muito pequeno.
Qual será o impacto dessas mudanças no serviço prestado ao cidadão?
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Acho que esse é o grande problema. Vamos ter que fazer um grande esforço como diz nosso grande administrador, é a gente melhorar a produtividade. Vamos ter que fazer a mesma coisa com menos.
É possível haver mudança estrutural com esse quadro político?
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Por mais divergências ideológicas que eu tenha com o governo federal, torço para tudo dar certo. Porque se não resolver, vai acontecer aqui o fenômeno que houve no governo De la Rúa na Argentina, que se liquefez, se dissolveu pelas províncias. E eu temo isso. Que haja uma debacle nacional. Na medida que as províncias não paguem mais as dívidas.... que os serviços públicos comecem a chegar a níveis insuportáveis, os movimentos sociais... eu temo isso. E eu acho que o remédio é uma consertação nacional. Só enxergo duas hipóteses. Ou faz a concertação nacional ou vamos à debacle.