Por karilayn.areias
Rio - Além de serem amigos de infância e morarem em uma das regiões mais violentas da cidade, os cinco jovens mortos pela PM em Costa Barros tinham outro detalhe em comum: a cor escura da pele. O crime foi registrado como homicídio doloso porque os moradores se reuniram em torno do carro onde os rapazes levaram 39 tiros, a maioria de fuzil e pelas costas, segundo revelou ontem O DIA com exclusividade. Os PMs já providenciavam uma arma para ser colocada junto aos corpos e acusá-los de terem trocado tiros com os agentes.
Anistia diz que negros são as principais vítimas de policiasDivulgação

Quando o auto de resistência é a versão que fica, um estudo da Anistia Internacional, feito com dados entre 2010 e 2013, mostra que em 79% dos casos de resistência à prisão e morte em confronto, as vítimas são negras. E 75% têm entre 15 e 29 anos de idade. Roberto de Souza Penha e Carlos Eduardo da Silva de Souza, 16 anos; Cleiton Correa de Souza, 18; Wilton Esteves Domingos Junior, 20; e Wesley Castro Rodrigues, 25, engrossaram esta última estatística.

O caso lembra a morte de Eduardo Felipe Santos Victor, de 17 anos, em setembro. Depois de baleado no peito, no Morro da Providência, os policiais militares usaram a mão do rapaz para disparar uma pistola e forjar o auto de resistência. Eduardo Felipe também não era branco. “As polícias foram criadas no século 19 para açoitar escravos e desenvolveram a doutrina de acabar com o inimigo”, avalia o sociólogo Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj

“Para essas pessoas, a morte tem que ser natural, é assim que a sociedade vê. João Cabral de Melo Neto tem uma frase que diz: ‘Nestes cemitérios gerais não há morte isolada, mas a morte por ondas para certas classes convocadas’”, criticou o advogado João Tancredo, ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB.
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“Esse perfil do negro e jovem é o da vítima de homicídio em geral, mas quando a vítima é um suposto bandido, ninguém reclama, a sociedade até aplaude. O detalhe é que invariavelmente as vítimas são pobres, moram em áreas periféricas e, no Rio de Janeiro, essas áreas são as favelas”, explicou Ignacio Cano.
Vítimas foram alvejadas
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O laudo de necropsia do Instituto Médico-Legal da morte dos cinco jovens de Costa Barros apontou, conforme O DIA antecipou na edição de ontem com exclusividade, que 39 tiros, dos 62 que atingiram o Fiat Palio onde os rapazes estavam feriram as vítimas. A maioria das entradas de balas foi pelas costas ou partes traseiras de glúteos e braços. No caso de um dos mortos, Wesley Castro Rodrigues, teve ossos estilhaçados pelos tiros de fuzil, com fraturas expostas por causa da violência do impacto dos projéteis: uma no braço e outra na coxa. 
As vítimas voltavam do Parque Madureira, onde foram comemorar o primeiro salário de um deles, o adolescente Roberto Penha de Souza, de 16 anos. Wesley levou 12 tiros; Roberto foi atingido 11 vezes; e Carlos da Silva Souza foi alvejado por oito balas. Os três estavam no banco traseiro do carro e, juntos, foram atingidos por 31 tiros.
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Nos bancos dianteiros, Cleiton Correa de Souza e Wilton Domingos Júnior, que dirigia o carro, foram atingidos por cinco e três disparos respctivamente. Uma testemunha contou que os jovens estavam rendidos quando foram executados. Três policiais militares do 41º BPM (Irajá) respondem por homicídio dolosoo e fraude processual. Um outro PM responde apenas pela tentativa de colocar uma arma junto aos corpos das vítimas, para simular um confronto. Segundo uma testemunha, eles chegaram a fazer disparos com a mão de Wilton, depois que ele agonizava dentro do carro.
Em depoimento semana passada a deputados estaduais da CPI dos Autos de Resistência da Alerj, os PMs Thiago Resende Viana Barbosa, Marcio Darcy Alves dos Santos, Antonio Carlos Gonçalves Filho e Fabio Pizza Oliveira da Silva disseram que houve troca de tiros na região com traficantes.
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Realidade em São Paulo é parecida
Fora do Rio, a realidade não é muito diferente. Estudo da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo, com dados de 2013, mostrou que o índice de negros mortos em decorrência de ações policiais a cada 100 mil habitantes em São Paulo é quase três vezes o registrado para a população branca.
Os dados revelaram que 61% das vítimas da polícia no estado são negras. De acordo com o IBGE, a média de negros e pardos tanto no Rio quanto em São Paulo vai de 45% a 48% da população.
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O preconceito afeta até quem será parado em abordagens policiais nas ruas. Pesquisa de 2012, do professor e oficial da PM de Pernambuco Geová BarroS, mostrou que 65% dos policiais entrevistados percebem que os negro e pardos são priorizados nas abordagens.
Carceragem: No Rio, 71,6% são negros

Se a maioria que morre é de negros, entre os presos, a realidade não muda. Em todo o país, 67,1% da população carcerária têm pele preta ou parda. Entre a população brasileira, eles são cerca de 50%. Atrás das grades no Rio, a desproporção é ainda maior: 71,6% são negros. Os números são do Anuário 2015 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do IBGE.
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“Se a polícia distingue cor na hora de atirar, a Justiça nunca foi imparcial, ela representa a sociedade que vive e por isso defende a sua classe. Não podemos afirmar que seja uma atitude consciente, mas o sistema jurídico também distingue brancos de negros. Ou temos muitos negros com origens operárias como juízes?”, questiona o advogado João Tancredo.