Por paulo.gomes
Rio - A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Autos de Resistência da Alerj ouviu nesta quinta-feira familares de jovens mortos por PMs ao longo dos anos, incluindo o primo de um dos rapazes assassinados em Costa Barros, por quatro policiais do 41ºBPM (Irajá), no final do mês passado. O defensor público Daniel Lozóya, do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Rio, revelou que a Polícia Civil pediu mais tempo para concluir o inquérito.
"No caso de Costa Barros, tínhamos a expectativa que fosse oferecida a denúncia (pelo Ministério Público) essa semana, mas não haverá tempo hábil porque o delegado pediu mais tempo para fazer realizar diligências e acompanhar os laudos. Esperamos que ainda este ano os PMs sejam acusados formalmente pelo crime e as famílias sejam indenizadas. Hoje, na CPI, vamos debater sobre a letalidade policial para tentar reduzir essa violência institucional", diz o defensor, garantindo que os familiares continuarão lutando contra a violência.
Familiares de jovens mortos por PMs ao longos dos anos participam da CPI dos Autos de ResistênciaMaria Inez Magalhães / Agência O Dia

"Não vamos aceitar nenhum acordo em que as famílias tenham que se calar e parar de falar depois de serem reparadas pelo Estado", completou.

Publicidade
O defensor classificou com um "genocídio" a brutal mortes dos jovens. "O crime tem características de um genocídio ou massacre direcionado. Há um recorte bastante especifico: a população jovem, negra e pobre. O 41ºBPM, criado em 2010, lidera pelo quarto ano seguido os índices de letalidade. O Estado do Rio tem um grande histórico de chacinas e assassinatos. Até julho deste ano, tivemos quase duas mortes por dia, ou quase 400 ocorrências. É um quadro sistemático. Dizer que são casos de desvios de conduta esporádicos, não condiz com a realidade apresentada. As situações de assassinatos ultrapassam e muito o número de policiais mortos".

Daniel Lozóya também criticou a perícia da Polícia Civil. Ele disse que além dos laudos não seguirem normas internacionais, os peritos vêm se recusando a atender pedidos da defensoria sobre esses laudos. O defensor também lamentou a morosidade da Justiça, afirmando que muita demora não atende aos anseios da população, além de criticar a política antidrogas.

Marcia Jacintho%2C mãe de Hanry Silva Gomes%2C morto por PMs no Lins quando voltava pra casa%2C em 2002%2C desmaiou após o depoimento e foi retirada da sessão para ser medicadaMaria Inez Magalhães / Agência O Dia

"Drogas sempre existiram desde o início da humanidade. A guerra é uma opção de fazer essa política de drogas, que é um fracasso retumbante", disse Daniel Lozóya, afirmando que também defende familiares de policiais mortos.

Estiveram presentes familiares de outros jovens vítimas de PMs, como Marcia Jacintho, mãe de Hanry Silva Gomes, assassinado por PMs no Lins quando voltava pra casa, em 2002, que desmaiou após o depoimento e foi retirada da sessão para ser medicada.
Publicidade
Rafael Mota, primo de Wilton Esteves, morto em Costa Barros, pediu justiça. "Tá todo mundo muito abalado, as mães e pais não têm condições de estar aqui. É tudo muito recente. A mãe do Wilton estava passando mal. O que tem que ser feito é justiça, não é um caso isolado. Todo dia morrem jovens pretos, pobres nas comunidades. Chega de ver famílias dilaceradas pelo Estado", disse.
Marcia Jacintho foi retirada da sessão após passar mal ao fim de seu depoimentoMaria Inez Magalhães / Agência O Dia

Mota destacou ainda a importância do evento. "É muito importante essa CPI, porque nós não vamos nos calar e deixar isso cair no esquecimento. Nós vamos lutar até o fim. Estamos pensando no que fazer nos próximos dias, como manifestações. Estamos acompanhando o trabalho da polícia e lutamos para que os PMs não saiam impunes. Você sai na rua e não sabe se volta pra casa e agora está pior. Nós queremos segurança para poder sair e voltar", concluiu.

Saia justa no início da sessão

A CPI começou nesta manhã com uma saia justa. O deputado Paulo Ramos (Psol) reclamou que não foi comunicado sobre a possível ida dos familiares das vítimas na comissão e a visita dos deputados aos PMs que estão presos na Penitenciária Vieira Ferreira Neto, em Niterói. "A ida da comissão ao BEP foi ideia minha. Qualquer decisão deve ser informado aos membros da comissão", diz.
Publicidade
Após o desabafo de Paulo Ramos, o presidente da CPI, deputado Rogério Lisboa (PR), pediu desculpas. "Achei que tivesse avisado. Foi um erro meu e peço desculpas", afirma.
Jovens foram fuzilados dentro de carro. Veículo ficou com mais de 60 marcas de tirosMarina Brandão / Agência O DIA

O deputado Marcelo Freixo (Psol) defendeu a presença dos familiares das vítimas na sessão desta quinta-feira. "Precisamos trazer um pouco de sentimento para a CPI, senão vamos ficar apenas com números e estamos falando de pessoas aqui", afirma.

Na semana passada, os deputados da CPI ouviram os PMs Thiago Resende Viana Barbosa, Marcio Darcy Alves dos Santos, Antonio Carlos Gonçalves Filho e Fabio Pizza Oliveira da Silva, que estão presos preventivamente na Penitenciária Vieira Ferreira Neto, em Niterói. De acordo com o presidente da comissão, ouvir a versão dos familiares das vítimas é essencial para entender melhor a mecânica dos fatos.
Publicidade
"Os policiais alegaram que agiram sob intenso fogo cruzado. Estaria ocorrendo um intenso tiroteio, tese essa já derrubada pela perícia. Queremos agora ouvir o relato de familiares que alegam que os policias executaram os jovens, sem que houvesse qualquer confronto", diz.
Cinco jovens são fuzilados por policiais do 41ºBPM (Irajá) em Costa Barros Reprodução / Facebook

Na próxima semana, a CPI vai ouvir os peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli. Será a última sessão do ano e a comissão voltará em fevereiro de 2016. A conclusão está prevista para maio.

Carlos Eduardo da Silva de Souza, 16 anos, Roberto de Souza Penha, 16, os irmãos Wesley Castro, de 25, e Wilton Esteves Domingos Junior, de 20; Cleiton Corrêa de Souza, de 18, morreram dentro de um carro quando deixavam uma comunidade do Complexo da Pedreira. As vítimas tinham voltado de um passeio no Parque Madureira e resolveram sair novamente para fazer um lanche quando foram surpreendidas pelos tiros disparados pelos PMs na Estrada João Paulo.