PMs presos por desviar fundo da saúde são recebidos com revolta no BEP
Os gritos de 'Ei ladrão, cadê o meu Fuspom', provocaram a decisão dos advogados de tentar tirá-los da unidade prisional da PM o mais rápido possível
Por felipe.martins, felipe.martins
Rio - A noite desta sexta-feira foi de revolta no antigo Batalhão Especial Prisional (BEP). Policiais presos na unidade receberam com indignação os oficiais acusados de desviar R$ 16 milhões do Fundo de Saúde da Polícia Militar (Fuspom). Os gritos de "Ei ladão, cadê o meu Fuspom", provocaram a rápida decisão dos advogados do ex-chefe do Estado-Maior, coronel Ricardo Pacheco e o coronel Kleber dos Santos Martins de tentar tirá-los do BEP, em pedido ao comandante da PM, Alberto Pinheiro Neto. O advogado de Pacheco alegou problemas no coração e o de Martins pediu que seu cliente fosse transferido para unidade comandada por um coronel da PM, como, por exemplo, o Batalhão de Choque.
Na cadeira de rodas, o PM reformado Ronaldo Nunes de Freitas, de 43 anos, não consegue fraldas, medicamentos e sondas na corporação. Ele é uma das 250 mil vítimas da quadrilha acusada de desviar R$ 16 milhões do Fundo de Saúde da Polícia Militar (Fuspom). Integravam o grupo oficiais da alta cúpula da PM à época, um lobista lotado no governo estadual e empresários. Dos 25 denunciados à Justiça, sendo 12 PMs, 22 foram presos ontem.
Policiais ativos e inativos contribuem mensalmente para ter atendimento e beneficiar seus dependentes, em hospitais e clínicas. “Sobrevivo com a ajuda de amigos”, desabafa Ronaldo, ferido em 2003, na favela Roquete Pinto, na Maré. Ele paga R$ 114, descontados no contracheque e luta pelo mínimo de dignidade, após ter sido baleado em serviço. O estado de penúria a que chegou o Hospital Central da PM, no Estácio, é consequência direta do desvio ocorrido em 2013 e 2014 no fundo, durante a gestão do ex-comandante da PM, coronel José Luís Castro. É o maior esquema de roubalheira da história da corporação. Castro é um dos investigados.
Uma sala discreta, com vidro fumê, no 3º andar do Quartel General da PM, Centro, era o ‘balcão de negócios’ dos acusados. Policiais recebiam de 5% a 10% de propina nos contratos. Ontem, o ex-chefe do Estado-Maior, segundo na hierarquia, coronel Ricardo Pacheco, o coronel Kleber dos Santos Martins e 20 pessoas foram presas.
Quando foi detido, na Taquara, Pacheco parecia não acreditar. Tinha acabado de chegar da casa da namorada, em Nova Iguaçu. Policiais foram recebidos pela mãe dele, que vende refrigerantes. Agentes acharam anotações com estratégias do oficial para se defender das acusações.
A operação ‘Carcinoma’ (tumor maligno) é da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público. O esquema foi denunciado na coluna ‘Justiça e Cidadania’, do DIA, em 2014, quando foi descoberta a compra de 75 mil litros de ácido peracético (usado na esterilização de instrumentos e equipamentos), por R$ 4,2 milhões para o HCPM, mas que nunca foram entregues. Contratos feitos com documentos falsos, a chamada 'carona' — aquisição a partir de licitação de outros órgãos —, compras superfaturadas e produtos não entregues por cinco empresas permitiam os desvios.
Os empresários que não pagavam propina tinham dificuldade para receber. Peça-chave no esquema, o próprio Ricardo Pacheco abriu nove inquéritos para apurar a corrupção. Mas é apontado como chefe da quadrilha. Fixava o valor do suborno e pegava o dinheiro. Até dormia no estacionamento do QG para receber pagamentos e ia a encontros, em churrascarias, com sete empresários e representante comercial.
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Pacheco chefiou a Guarda Municipal, entre 2009 e 2011. “Com a prisão deles, fechamos o ano com chave de ouro”, disse o comandante-geral da PM, Alberto Pinheiro Neto. Ex-gestor do Fuspom, o coronel Décio Almeida está solto pois ajudou nas investigações. Os oficiais presos ficarão na Unidade Prisional de Niterói. À noite, Kleber e Pacheco pediram transferência para unidades comandadas por coronéis, como o Choque. O grupo responderá por organização criminosa, peculato, dispensa de licitação, corrupção ativa e passiva. As penas variam de 2 a 12 anos.
Lobista ganhava R$ 1,3 mil, mas morava de frente para o mar na Barra
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Apontado como um dos mentores da organização criminosa com o coronel Ricardo Coutinho Pacheco, o coronel Kléber dos Santos Martins se entregou ontem à Secretaria de Segurança. O oficial foi operador de despesas da Diretoria Geral de Administração Financeira.
Segundo as investigações, ele tinha domínio total das atividades criminosas, era um dos principais beneficiários das propinas e participou do processo de aquisição fraudulenta da compra do ácido peracético.
Nesta sexta-feira, foi feita busca e apreensão no haras do oficial em Rio das Flores, no Sul do estado. A luxuosa propriedade foi um dos 40 alvos de mandados de busca e apreensão, que incluiu ainda a casa do ex-comandante Castro, empresas e hospitais da PM. Documentos e dinheiro foram recolhidos.
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Preso, Orson Welles da Cruz era o lobista do bando. Servidor público, ocupa cargo comissionado na Secretaria de Estado de Governo do Rio e ganha pouco mais de R$ 1,3 mil, além de ser membro suplente da Comissão de Ética do PMDB fluminense. Apesar do salário, mora na Barra, de frente para o mar, onde foram apreendidos documentos. Em sua página na rede social, Welles gostava de ostentar fotos junto com autoridades como o governador Luiz Fernando Pezão. Ele aparece ao lado do coronel Luiz Castro, no QG. Em nota, a presidência do PMDB informou que vai suspender a filiação de Welles e abrirá processo de expulsão do partido. Já o presidente da Alerj, deputado Paulo Melo, determinou a exoneração do lobista do cargo desde 2009.
Organização altamente sofisticada
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No rastro da corrupção de alta patente, empresários também foram parar no paredão da Justiça. A Medical West, de Rodrigo Gomes Theodoro dos Santos e Leonardo Pereira dos Santos, é acusada de, junto com seis PMs, fraudar a compra 75 mil litros de ácido peracético.
“Após o processo sobre o ácido, descobrimos procedimentos escabrosos”, diz o subsecretário de Inteligência da Seseg, Fábio Galvão. Outros fornecedores viraram alvos: Bioalpha Serviços e Comércio de Materiais Médico-Hospitalares Ltda; Gama Med 13 Comércio e Serviço Ltda; Comercial Feruma Ltda; e M&C Comércio e Soluções de Equipamentos Ltda.
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Um dos presos é Artilano Francisco da Silva, sócio-administrador da Feruma, que vendeu 13.720 lençóis, mas deixou de entregar 9.620 peças. O custo para a PM foi de pouco mais de R$ 2 milhões, mas o contrato só foi cumprido em R$ 490 mil. Notas fiscais atestaram o recebimento do material, mas não havia sequer espaço no almoxarifado.
“Pacientes tinham que levar rouparia que deveria ser fornecida pelo hospital. É uma organização criminosa muito sofisticada”, disse o promotor Cláudio Calo. Na página S.O.S Freguesia, policiais do 18º BPM (Jacarepaguá) pediram doações de fraldas geriátricas para pacientes do HCPM. A missão é entregá-las no Natal.
Denunciadas pelo Ministério Público, Cláudia Lúcia de Souza e Ilma Maria dos Santos, da Gama Med , assinaram pelo menos quatro contratos de mais de R$ 4 milhões com fraudes na licitação. Para manter o esquema, empresários iam às unidades militares forçar a emissão de pareceres, pedindo a compra de materiais.