Polícia investiga violência atrás dos muros do Degase
Sob a vigilância do MP e Alerj, denúncias de estupro e tortura em unidades que deveriam ressocializar menores são apuradas
Por tamyres.matos
Incidentes recentes na Escola João Luiz Alves, na Ilha do Governador, revelam cenário assustador em instituições do Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas). Sob a vigilância do Ministério Público e da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), a Polícia Civil investiga supostos casos de torturas, abuso sexual e violência, incluindo estupros, na unidade da Zona Norte.
O órgão ligado à Secretaria Estadual de Educação, porém, tem como função, segundo o próprio site, “acolher, cuidar, acompanhar, atender e tratar o adolescente em conflito com a lei, bem como seus familiares, objetivando sua reinserção na sociedade”.
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Na semana retrasada, uma adolescente de 17 anos teria sido torturada e estuprada por agentes no Centro de Socioeducação Professor Antonio Carlos Gomes, também na Ilha do Governador. Ela e outras três internas teriam passado pela sessão de tortura conhecida na unidade como ‘bailarina’, uma das preferidas dos agentes que deveriam ser educadores.
“Elas são presas com algemas na trave do gol e ficam muito tempo como castigo. É uma prática de tortura comum lá”, revelou a defensora pública Marcia Fernandes. Apesar de nunca ter ouvido relatos de estupro no Antônio Carlos Gomes, a defensora confirmou que as meninas teriam sofrido a tortura só de sutiã, o que caracterizaria abuso e constrangimento sexual.
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OLHOS BEM ABERTOS
Na 21ª DP (Bonsucesso), ainda há registro de castigos físicos a quatro menores que tentaram fugir da Escola João Luiz Alves no dia 5 e confessaram ter agredido o agente Maxwell Vaz Rocha na fuga. Recapturado, o grupo teria sido espancado por quem deveria fazer cumprir a lei: o diretor da unidade, Marcos Poubel.
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Os menores foram à delegacia com marcas de espancamento, sofridas durante uma sessão de tortura. Eles teriam ficado dias num cubículo com as luzes acesas, durante as 24 horas, onde não era possível dormir ou mesmo se mexer. Quem fechasse os olhos era espancado sem piedade.
Nessa ‘Terra de Ninguém’, sofrem menores, familiares e agentes que também são reféns de uma violência alimentada por políticas ineficazes. O preço final é caro e pago mais uma vez pela sociedade.
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‘Coquetel’ pra lá de explosivo
Superlotação, falta de funcionários e salários defasados. Estes são alguns problemas apontados pelo sindicato da categoria (Sind-Degase) que formam ‘coquetel’ explosivo e criam o caos nas unidades, onde não faltam rebeliões, fugas e agressões a agentes. Um deles corre o risco de ficar cego do olho direito.
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“Não temos condições de trabalho. Do jeito que está, vai explodir. Está tudo errado. A sociedade precisa discutir essa questão e não simplesmente reduzir ou não a maioridade penal. Da forma como está, os menores vão virar adultos deturpados”, disse o agente agredido.
O presidente do Sind-Degase, Marcos Aurélio Rodrigues, reclama da falta de agentes para atender mais de 2 mil menores, quando a capacidade é para apenas 550. “Ano passado, 376 foram aprovados em concurso. Mas ninguém foi chamado”, diz.
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Os números são confirmados pela Comissão de Direitos Humanos da Alerj. “Procurei os agentes agredidos, e eles estão recebendo auxílio psicológico. Um está com medo de voltar a trabalhar. Há uma garotada nova vinda de famílias dilaceradas. O problema é grave”, avalio o deputado Marcelo Freixo, presidente da comissão.
ENVOLVIMENTO FAMILIAR
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Mônica Cunha teve o filho, Rafael, mandado para o Degase em 2003, aos 15 anos. Foi quando fundou o Movimento Moleque — Mães do Degase para tentar acompanhar o que acontecia dentro dos muros das unidades chamadas de sociedutavidas.
“Meu filho começou a morrer quando entrou lá. Com 20 anos, o tiro de misericórdia foi dado pela PM”, relata a moradora de Duque de Caxias.
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Mônica continua acompanhando a rotina de famílias de menores internados. “O Degase nunca teve um projeto que envolvesse a família dos internos. Hoje, a estrutura física é melhor, mas a filosofia não mudou. Conheço menores que dizem que vão roubar, pois roubando vão para o Degase e vão ter escola e comida”, lamenta ela, que tem mais dois filhos: um professor de Educação Física e outro militar.
Diretor não falou sobre o caso
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O DIA procurou o diretor do Degase, Alexandre Azevedo, quinta e sexta-feira, mas a assessoria de imprensa informou que “ele estava muito ocupado” inaugurando unidades em Campos, Norte Fluminense. Na sexta-feira, O DIA voltou a pedir informações sobre as denúncias, mas recebeu com resposta da assessoria que o diretor só falaria sobre o assunto segunda-feira.