Por nara.boechat

Rio - Associados ao tráfico, com mais de 40 anos de vida e estigmatizado, os bailes funk não representam apenas a cultura das comunidades: representam também uma maneira de sobreviver para pelo menos nove mil pessoas nas favelas pacificadas. O cálculo é do ex-presidente da Apafunk (Associação dos Profissionais do Funk) MC Leonardo, que festeja a extinção da Resolução 013, mas não esquece o rombo que ela fez na autoestima dos moradores.

“Estavam matando a economia das comunidades, os encontros e o direito de se expressar dos moradores”.

DJ Gordinho prepara seus equipamentos para voltar a tocar%3A promessa de disciplina e fim dos proibidõesCarlo Wrede / Agência O Dia

Ele encontra eco na sua fala. Mestranda em Saúde Coletiva pela UERJ, a advogada Paula Damasceno está em trabalho de campo no Alemão sobre violência contra mulheres. Bastaram poucos dias na comunidade para ela perceber que o morro está mais pobre desde que os bailes foram proibidos pelos comandos das UPPs — que vão continuar usando o poder de veto até surgir a resolução 014 (leia a entrevista ao lado). “Diminuiu muito a circulação de dinheiro na comunidade”, diz ela. “Além do tráfico, havia uma intensa movimentação nos salões de beleza, entre os mototaxistas, nas boutiques”, completa. Para ela, os bailes funk representavam o momento da sociabilidade dos moradores, de ver quem pertencia a qual grupo, de incorporar as gírias novas.

“O baile funk é uma invençã da favela para criar uma economia e gerar renda”, conta Raphael Calazans, o MC Calazans, 21 anos. “É uma estrutura dentro de uma cultura de sobrevivência, diante da ausência do Estado e de políticas públicas.” Para Calazans o baile, além de fortalecer economicamente a comunidade, possibilita ainda a ascenção social de jovens que têm como opção para crescer a entrada no tráfico ou nas igrejas evangélicas. “Um moleque que era invisível, através do baile funk, começa a ter uma existência social e cultural ali. A proibição das bailes, a partir da pacificação, travou o surgimento de centenas de artistas.”

O que é a 013

Resolução que regulamenta o decreto nº. 39.355 de 24 de maio de 2006, que determina sobre a atuação conjunta de órgãos de segurança pública na realização de tais eventos, a 013 dá aos comandantes das UPPs a última palavra sobre a realização de eventos em favelas. Mesmo que o organizador cumpra tudo o que ela pede, como número de vagas de estacionamento, o comandante da UPP continua podendo vetar por razões de segurança.

Fim de eventos ameaça renovação de MCs

O fim dos bailes funk não fica apenas na questão econômica. Correntes que pensam a manifestação cultural enxergam forte ameaça à renovação do movimento. A equação é simples: o garoto escreve uma rima para um baile, ela faz sucesso e o estimula a repetir a dose, até que se consolide como MC. O fim dos eventos paralisa o processo e trava a criatividade dos candidatos a artistas.

“É preocupante porque o chão criativo do funk é o baile, as pessoas compõem para animar o baile, é no baile que eles têm idéias”, conta Adriana Facina, pós-doutorada em Antropologia e professora do Museu Nacional.

Jimmy Medeiros, coordenador da pesquisa que a Fundação Getúlio Vargas fez em 2008 sobre a economia do funk, acredita que o movimento não morrerá, já que sempre soube se readaptar aos momentos difíceis. Mas faz uma observação que tem tirado seu sono: por qual razão as empresas que subiram o morro com a pacificação não querem associar seu nome ao gênero musical? “Há dois anos a Secretaria Estadual de Cultura lançou um edital para captação de recursos em projetos ligados ao funk. Nenhuma empresa quis se associar”, revela. “Vou falar de novo com o pessoal da secretaria e tentar fazer um workshop para reabrir esta discussão. Até porque quero fazer uma segunda rodada desta pesquisa sobre os tipos de letra”.

Suellen ‘Maestra’ na Providência%2C onde fará o próximo documentárioCarlo Wrede / Agência O Dia

Documentário revela ‘sufoco’ sem os bailes

A força do baile funk é capaz de mover montanhas. Suellen Rangel, a ‘Maestra Misteriosa’, é um destes exemplos. Há tempos ela vem rodando as comunidades pacificadas fazendo documentários postados no You Tube sobre os efeitos do fim dos 36 bailes. Maestra já esteve em seis comunidades gravando e se prepara para subir a sétima — provavelmente a Providência.

“A série se chama ‘A Verdade sobre o Funk’”, conta ela, que começou a curtir as favelas devido a uma síndrome de pânico, que a impedia de ir a clubes. “No Andaraí, havia cinco pontos de mototáxi e três de kombis. O que sobrou só tinha duas motos”.

Há quem tema a barulheira

“Reconheço que havia um exagero. Mas agora é só dizer a hora que tem de acabar e pode saber: não vou tocar proibidões”. A fala de Carlos Eduardo Gomes, o DJ Gordinho da equipe Lazer Digital, um ‘funk star’ do Complexo do Alemão, sintetiza o maior dilema dos bailes: antes valia tudo, absolutamente tudo, quando quem dava as cartas era o tráfico. “Funk é a cultura da favela. Não é porque era de um jeito que vai voltar a ser.”

Leandro Campos Silva, ex-morador do Alemão, teme que o fim da resolução 013 traga de volta o ronco das caixas de som, de segunda a segunda, até o dia clarear. Mas reconhece que os moradores de comunidades estão abandonados no quesito cultura. “O fim da 013 vai diminuir os conflitos entre policiais e moradores. Mas é preciso dar regras a estes bailes, em locais apropriados e, claro, com segurança pública”.

5 minutos com coronel Frederico Caldas, coordenador das UPPs

De relações públicas da Polícia Militar ao terceiro cargo mais importante na hierarquia da corporação. Alçado à condição de coordenador das UPPs, o coronel Frederico Caldas estreou em meio à crise do caso Amarildo e do fim da Resolução 013, que apesar de anunciada pelo governador, ainda não aconteceu. Nesta entrevista, Caldas revela suas impressões sobre a volta dos bailes funk às comunidades pacificadas e avisa: ainda falta terminar de pactuar como serão os novos eventos.

Coronel Frederico Caldas%2C coordenador das UPPsEstefan Radovicz / Agência O Dia

1. O governador decretou a extinção da 013 pelas redes sociais. Ela ainda está valendo?
Sim. Até que ela seja revogada, nada muda.

2. E quando isto vai acontecer?
Já tivemos três reuniões no Palácio Guanabara, com a Casa Civil, para tratar deste assunto. Estamos discutindo o conteúdo, é preciso equilibrar as exigências feitas a eventos no asfalto com as de eventos em comunidades. Creio que será em breve.

3. O que é este equilíbrio que o senhor fala?
É preciso dividir esta responsabilidade, a prefeitura precisa ser protagonista, junto aos bombeiros, a Defesa Civil e a própria Polícia Militar. E é preciso também encontrar o equilíbrio entre o direito de quem vai participar do evento com o de quem não quer participar.

4. É possível acontecer um baile sem ameaça à segurança?
O tráfico se aproveitar não pode nunca ser argumento para se proibir bailes. É possível haver bailes funk sem ameaças à segurança sim, desde que em localidades pacificadas.

5. Há muitas queixas sobre o barulho provocado pelos bailes. Como resolver isto?
É preciso pactuar horários, decibéis, local, responsabilidade do organizador e neste ponto a 013 pode servir de base. Mas precisamos buscar alternativas porque estas pessoas precisam de lazer. Vou participar da próxima reunião.

5. O senhor acha que a concentração de poderes nas mãos dos comandantes das UPPs, por conta da 013, prejudica a relação entre moradores e policiais?
O caminho aponta mais para dar esta responsabilidade à prefeitura. É desejável e importante tirar este poder das mãos dos comandantes das UPPs, pois isso não é sua missão.

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