Rio - Impedimento, falta, cartão amarelo. Expulsão. Não, ainda não é uma partida de futebol, mas uma aula de arbitragem na comunidade do São João, na Zona Norte do Rio. Lá, ninguém se importa que as mães dos futuros árbitros de futebol possam ser xingadas quando eles entrarem em campo. Mais importante é dar condições para que os 17 meninos aprendam lições de futebol — e cidadania — dentro das quatro linhas.
“O que a gente pretende é que os meninos possam apitar partidas amadoras”, conta o soldado Daniel Wilson que, ao lado do capitão Márcio Rocha, é um dos instrutores do curso de arbitragem da Copa Zico 10, campeonato que reúne as favelas pacificadas do Rio.
Quatro dos alunos de Wilson já transformaram teoria em prática ao estrear apitando o jogo entre os masters da PM e os da Secretaria de Segurança. Geovani Martins, 15 anos, que trocou o sonho de ser goleiro pelo de bandeirar uma partida, é um deles. “Foi uma oportunidade muito boa. Estou feliz”, diz.
Charles Siqueira, coordenador das oficinas — que ensinaram ainda locução esportiva, técnicas de futebol, preparação física e jornalismo esportivo —, resume o espírito da coisa. “O objetivo é iluminar os que já trabalham com futebol amador nas comunidades, jogando ou arbitrando, mas que ainda não possuem conhecimentos específicos sobre as regras.”
A luz a que Charles se refere começou na UPP do Santa Marta, com o projeto Arbitragem Solidária, que foi encampado pela competição que leva o nome do ídolo rubro-negro, cuja final será dia 12, em Vargem Grande. O soldado Daniel não nega o orgulho por ser um dos pais da ideia. Feliz com o resultado alcançado, diz que na UPP do Andaraí, onde está lotado agora, as portas estão sempre abertas aos jovens. “É só me procurar.” Quem se habilita?
Para mãe, é melhor filho ser juiz do que ficar na rua à toa
Heitor dos Santos Reis, de 15 anos, é o melhor aluno do curso de arbitragem no São João. Não satisfeito, o jovem, hiperativo, ainda encontra tempo para se dedicar às artes marciais. E leva para a arbitragem técnica importante da luta: a concentração. “Faz faz parte das técnicas que aprendo no Taekwondo, que pratico nove vezes por semana. Estou treinando para mudar de faixa”, diz Heitor, que em oito meses já acumula duas medalhas de prata.
“Mas não sei se serei lutador ou árbitro, gosto muito dos dois. É bom ser ativo em algo produtivo”, relata o jovem, que ainda se dedica aos estudos. “Quando disse que ia estudar para ser árbitro, minha mãe ficou com aversão. Os vizinhos implicavam, perguntavam se ela não tinha medo de ser xingada. No início, ficou com medo, mas depois achou que isso era melhor do que ficar na rua em más companhias.”
Reportagem de Tássia Di Carvalho