Por daniela.lima

Rio - Uma nova lei do inquilinato, que proteja os moradores das favelas da especulação imobiliária como a que está acontecendo no Vidigal. Esta foi a principal proposta que saiu do 10º debate da série ‘Rio, Cidade sem Fronteiras’ terça-feira, no Morro da Formiga, que discutiu ‘Habitação Popular e Gentrificação’. A ideia foi lançada pelo membro do Conselho Nacional do IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil), Flávio de Oliveira Ferreira.

O debate aconteceu na sede do Centro Municipal de Saúde do Morro da Formiga. Da esquerda para a direita, Marcelo da Silva, Flávio Ferreira, o mediador André Balocco, Jorge Barbosa e Theresa WilliamsonAndré Mourão / Agência O Dia


“Nos Estados Unidos e na Inglaterra existem leis específicas para proteger determinados lugares”, defendeu Flávio. “Seria importante para proteger a favela como lugar de habitação popular.” Além de Flávio, o debate contou com as presenças de Theresa Williamson, da ONG ComCat, Jorge Barbosa, do Observatório de Favelas, Marcelo da Silva, presidente da Associação de Moradores do Vidigal, e Cláudio José, do grupo TransFormiga.

“Como cada favela tem uma característica própria, o ideal seria dividi-las em categorias. O poder aquisitivo de quem mora na Rocinha, por exemplo, é maior do que o de quem mora na Maré”, explicou Flávio. A cidade de Boston, nos Estados Unidos, foi usada como exemplo de lugar em que as habitações populares recebem tratamento diferenciado. “Lá, a lei é específica para cada um dos bairros.”

A proposta agradou ao presidente da Associação de Moradores do Vidigal, Marcelo da Silva, um dos debatedores da mesa. Segundo ele, a favela passa por um processo acelerado de descaracterização desde a entrada da Unidade de Polícia Pacificadora, em janeiro de 2012. “Não posso impedir os moradores de venderem suas casas achando que a pacificação acaba em 2016”, disse. “Há festas no morro, hoje, que custam até R$ 100 e geram engarrafamentos imensos. Isso não é para morador.” Para tentar frear a mudança de perfil do morro, chamado de gentrificação, a comunidade está com um ciclo de palestras — o terceiro acontece terça-feira. “Informação é poder. Isso nós podemos fazer, para que ninguém se arrependa depois.”

Jorge Barbosa, do Observatório de Favelas, concordou com a ideia de uma legislação específica para proteger as favelas. E revelou que a especulação imobiliária já chegou ao Complexo da Maré, apesar da favela ainda não ter sua UPP instalada — no momento, está ocupada pelo Exército. “Só o anúncio da ocupação fez os preços dispararem”, afirmou, mostrando a capa do jornal ‘Maré de Notícias’, da comunidade, em que um quitinete em Nova Holanda passou de R$ 12.500 para R$ 60 mil. “Quem sai de casa na favela abre mão de suas relações. E acaba ficando mais pobre.”

Evento começou com Folia de Reis

URBANISTA PROPÕE GESTÃO COLETIVA DO TERRITÓRIO

Outra proposta que surgiu durante o encontro na Formiga foi a da urbanista Theresa Williamson, da ONG ComCat (Comunidades Catalisadoras). Ela sugeriu a gestão coletiva da posse sobre as casas das favelas. Assim, quando alguém quisesse deixar o morro, por exemplo, venderia a sua casa ao coletivo, que a repassaria sem especulação.

“Em Boston e na Inglaterra esta experiência já é uma realidade”, explicou. Segundo Theresa, a administração e aceitação de novos membros dependeria das decisões de um conselho, que seria formado pelos moradores. “Eles fazem reuniões para analisar se aquela pessoa que quer morar ali se encaixa no perfil da comunidade.”

Outra alternativa apresentada pela urbanista foi a de faixas de preços para cada categoria: quem tem renda menor, pagaria menos no aluguel, tarifas e impostos. Ela afirma que os aumentos de preço nas contas de luz e água acabam fazendo com que o morador não consiga se manter na comunidade. “Outro problema é que quando o perfil dos moradorees começa a mudar, os que ficam acabam não se identificando com o lugar.”

Theresa afirma que a gentrificação não é uma evolução natural do processo de moradia urbana. “Ela começa com uma especulação, e até as pessoas que não queriam vender suas casas acabam sendo obrigadas a sair.”

Para frear o processo ou ao menos tentar ter controle sobre ele, ela sugere que as favelas se informem mais sobre a gentrificação.

Theresa ainda propôs que o governo crie alternativas para dar moradias públicas a pessoas de baixa renda. “Em Nova Iorque os prédios novos têm que destinar 20% dos apartamentos para este público, e 10% da moradia é pública. Já em Singapura, 90% das habitações são do governo”, concluiu.

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