Por bianca.lobianco

Rio - A semana começou com a despensa cheia para a família Alves da Silva, que vive com R$ 100 mensais na comunidade Gato Preto, em São João de Meriti. Personagens da manchete do DIA de domingo passado, sobre índices de pobreza da Baixada, Fernanda, de 37 anos,seus cinco filhos e um neto viram a vida mudar. Uma corrente de solidariedade encheu a caixa de emails do jornal, com ofertas de ajuda, e a pequena sapateira onde ela guarda mantimentos misturados a roupas da família na casa de um cômodo.

Evelin, de 11 anos, que sofreu com raquitismo na infância, não se aguentava de alegria na quinta-feira, quando a reportagem voltou à sua casa. Com um um biscoito de chocolate na mão, não se lembrava da última vez que havia comido um. “Esse é bom, mas eu gosto mesmo é de limão”, dizia, ao por o doce na boca e o engolir de uma só vez.

Fernanda%2C com o neto%2C mostra a comida que ganhou esta semanaMárcio Mercante / Agência O Dia


A resiliência com que Fernanda e família enfrentaram a escassez, deu vez a sorrisos. “O padeiro nos dará dez pãezinhos todo dia e teremos legumes do sacolão. Meus filhos vão comer bem”, alegra-se ela, que também recebeu cestas básicas. “Como não tenho armário, botei na geladeira quebrada.”

Gás, geladeira e armário

Simone Lins, da ONG Gato Preto, que organizou a lista de doadores após a reportagem, conta que em breve Fernanda deve ganhar um armário. “Tem gente querendo doar móveis, botijão de gás e geladeira.” Fernanda suspira de esperança. A alegria dela também se deve ao emprego que a primogênita Fabiana, de 19 anos, conseguiu. “Ela está em experiência como operadora de caixa. E em Copacabana!”

A advogada Carla Alves, de 36 anos, foi uma das que se comoveu com a história da família que tem o mesmo sobrenome que o seu. Vizinha do lixão de Jardim Gramacho na infância, hoje ela mora na Barra. “Cresci vendo crianças comendo do lixo. Passar fome é degradante ”, conta. “Meu marido e eu nos comovemos na hora em que lemos a matéria.”

O padeiro Marcelo Souza de Jesus, de 39 anos, vizinho de Fernanda, entrou na corrente solidária. “Eu só soube que aqui tinha gente nessa situação depois da reportagem.” Agora ele quer ajudar para evitar que a situação da família Silva se repita.

“Soube, através da Simone, que existem mais pessoas em situação parecida aqui.” O fato de doar o que produz para vender não o incomoda. Marcelo sabe que, em casa onde falta pão, todo mundo briga e ninguém tem razão.

Simone Lins e sua equipe de voluntários tentam reorganizar a ONGMárcio Mercante / Agência O Dia

ONG luta para sobreviver

Sem ajuda governamental ou apoio financeiro, Simone Lins é como o beija-flor que, como diz a fábula, carregava no bico uma gota de água para combater o incêndio na mata . No sub-bairro Gato Preto, com parcos recursos, ela bate as asas para levar cultura à região com a ONG que leva o nome do bairro. Sobrevivendo de doações e aluguel do espaço para festas particulares, atua em famílias como a de Fernanda Alves da Silva. 

“Quando a gente organiza um evento cultural, tem que ter lanche. Criança, principalmente, precisa mastigar para nos dar atenção”, diz. O incêndio é grande, mas Simone carrega uma gotinha de cada vez. Fundada há quatro anos, a ONG mantém 150 crianças que participam de oficinas de dança, música, videoteca e leitura. Ela também abre o espaço para os adultos, com dança de salão. “Descobri cinco senhoras analfabetas”, diz. “Já estou dando aulas para elas.”

Caridade se iniciou com um câncer

A história de Simone com o Gato Preto é incrível. Sambista respeitada no meio, moradora de Copacabana, ela voltava de um ensaio em Nilópolis quando parou num engarrafamento em Meriti. De repente, uma mulher começou a bater no vidro de seu carro. “Era a minha irmã, que eu tinha perdido contato havia 12 anos. E eu estava parada bem na porta da casa dela”, conta.
Naquele dia, decidiu juntar-se à família. Mudou-se para Meriti e foi trabalhar numa escola com crianças em risco social. Em 2008 recebeu o diagnóstico de câncer e foi a um cruzeiro marítimo. Lá, sua vida mudou. Deprimida, sentindo um imenso vazio, reencontrou um ex-aluno na rua e decidiu se dedicar à caridade. “O que a gente precisa é de apoio. Até agora ainda não consegui.”

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