Por thiago.antunes

Rio - No Dia Nacional da Consciência Negra, o Rio não tem muito do que se orgulhar, a contar pelos dados do DataSus pesquisados pelo Laeser UFRJ (Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e das Relações Raciais). Eles mostram que o número de negros e pardos assassinados no município foi 2,7 vezes maior que o de brancos.

Dos 1.203 homicídios registrados em 2012, último ano disponível pelo DataSus, 872 foram cometidos contra negros (72,5%), e 331 contra brancos (27,5%). No Estado a diferença é menor, mas não apaga o absurdo. A cada homem branco assassinado, 2,3 negros ou pardos morreram: foram inacreditáveis 3.073 (69,9%), contra 1.322 (30,1%).

“A população negra no Brasil está exposta a situações de violência, que tanto podem ser decorrentes de fatores socioeconômicos, quanto de raça”, analisa o economista Marcelo Paixão, coordenador do Laeser.
Os dados nacionais também assustam: nada menos do que 38.243 negros foram vítimas de homicídio (72,7%) no Brasil — 2,6 vezes mais que assassinatos de pessoas brancas, que ficaram em 14.348 (27,3%) no mesmo ano. O Data Sus é a fonte mais confiável, porque centraliza as informações de todas as mortes no país.

Um dos poucos negros de destaque na Academia%2C Marcelo Paixão diz que o Brasil precisa se transformar numa sociedade síntese de seus povosAndré Balocco / Agência O Dia

Ao se recortar a estatística do Estado e dar enfoque aos 19 municípios da Região Metropolitana, excetuando a Capital, o absurdo ganha destaque macabro: somente em Japeri se matou praticamente oito vezes mais negros do que não negros: 31 homicídios contra quatro. Em algumas cidades a quantidade de pretos e pardos assassinados mais que quadruplica em relação aos brancos. Em São João de Meriti, se assassinou 4,8 vezes mais negros; Seropédica, 4,5 vezes e Caxias, 3,7.

“Nesses dados, o que chama a atenção é o hiato entre a gravidade da informação e as respostas que o poder público e a sociedade dão para esse tipo de realidade. Esses números refletem uma cultura de morte no Brasil, que incide de forma desigual sobre os negros”, dispara Marcelo Paixão.

Segundo o economista, chama a atenção não haver metas por parte das secretarias de Segurança dos governos estaduais e federal. “Todos os anos há metas para vacinação, inflação, mas não para a violência. A existência de metas significaria que estaríamos caminhando para um determinado sentido. Na medida que esses números vão piorando... parece que as estatísticas são incorporadas à paisagem e que o poder público não se espanta com esses dados”, lamenta o economista.

‘Sociedade empurra a PM para truculência’, diz coronel

Boa parte das mortes violentas no Brasil, que atingem em cheio os negros, é atribuída à forma como as forças de segurança atuam. O ex-secretário de Direitos Humanos do Rio e coronel reformado da PM, cientista social Jorge da Silva, membro da Leap Brasil, que defende a legalização das drogas, alerta que o problema não se esgota na polícia, acusada de despreparada, preconceituosa e com vocação para a violência.

“Como conseguir uma polícia democrática e cidadã numa sociedade em que o establishment (conjunto dos poderes econômico, midiático, cultural, executivo, legislativo e judiciário) ainda guarda as marcas de um passado escravista de 350 anos? A polícia tem sido empurrada para a truculência por quem finge querer democratizá-la ou contê-la”, diz. Para ele, é preciso cobrar responsabilidade de quem induz os policiais ao desrespeito às leis e à truculência contra os alvos tradicionais — moradores de áreas pobres — “à base do ‘bandido bom é bandido morto.’”

Ibis vê favela e senzala parecidas

Comandante-geral da PM, apontada por críticos como principal responsável pela explosão da violência, o coronel Ibis Pereira da Silva, negro, busca no passado do país a explicação para tanto ódio. Na sua opinião, a obra da escravidão está presente nos bolsões de misérias, como se fossem senzalas.

“A escravidão ainda vive na mentalidade, no olhar de senhor de engenho, nessa coisa do ‘sabe com quem está falando’. Isso é herança de uma república construída sobre anos de escravidão. A gente ainda não conseguiu superar isso e avançar na igualdade”, afirma.

Segundo ele, as pessoas gostam de falar em igualdade, mas ‘pulam’ toda vez que se caminha nesse sentido. “Como discurso, a palavra é uma maravilha. Mas na hora em que um garoto negro, pobre, corre na praia e joga areia num banhista, imediatamente começa um alvoroço. O olhar de se ter uma polícia mais dura na repressão ao pobre é herança de uma sociedade construída em cima da escravidão”, conclui.

Pesquisador pede metas antiviolência

Pacto social, na opinião de Marcelo Paixão, é a saída para reverter a dura realidade do número absurdo de negros assassinados no Brasil. “Precisamos de escolas que realmente sirvam para a formação cidadã das pessoas, e um pacto pela reconfiguração dos territórios marginalizados da cidade — onde não se pode chegar dando tiro e metendo o pé na porta”, afirma.

Para ele, as metas são fundamentais. “No mínimo, tem que se constituir metas. Por exemplo, estabelecer para que no próximo ano a estatística fique no mesmo patamar. Nos próximos dez anos, tem que cair pela metade”, frisa.

Na opinião do estudioso, a escola tem que ter um centro de formação cidadã, e o poder repressivo deve ser controlado. “Tem que atacar a corrupção policial e a lavagem de dinheiro. Na medida em que determinadas práticas sociais são consideradas nocivas a uma sociedade que se pretende minimamente justa, acredito que isso poderia ajudar”, sugere.

O coordenador do Laeser acredita que a questão da violência é o ponto de síntese sobre como determinadas relações sociais se processam. “Se fosse possível resolver essa questão, isso teria efeito sistêmico, mudando o ambiente. É óbvio que mudando a cultura de violência e de morte, haverá efeito positivo no plano da produção de novos padrões de sociabilidade”, diz.

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