Por tabata.uchoa

Rio - A emoção deu o tom. Numa noite histórica em que O DIA reuniu a cúpula da Polícia Militar, secretarias de Estado, Defensoria Pública, o vice-prefeito do Rio, parlamentares, especialistas, imprensa e dezenas de moradores do complexo, quem saiu ganhando foi o diálogo.

Chefe do Estado-Maior da PM%2C coronel Robson Rodrigues prometeu apurar denúncias e pediu ajuda para manter a corporação no rumo da mudança para uma polícia de proximidadeFernando Souza / Agência O Dia

Após três horas e meia no Fórum ‘Alemão: Saídas para a Crise’, o encontro de quinta-feira, que teve 146 assinaturas de presentes na sede do Viva Rio e pelo menos 200 participantes, definiu quatro pautas: compromisso da PM em responder ao pedido de desocupação imediata dos espaços públicos de lazer tomados pelas tropas; criação de fórum de interlocução com os ativistas locais pelas secretarias estaduais de Ação Social e Direitos Humanos e de Segurança Pública; e a viabilização de uma oficina de projetos.

O vice-prefeito Adílson Pires prometeu também destravar a criação da Universidade do Alemão, parceria do Cefet, UFRJ e IFRJ, que necessita de um terreno da prefeitura. “É meu compromisso.”

O evento também foi organizado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes (Cesec), e Instituto de Estudo de Religiões (Iser). A possibilidade de ficar frente a frente com autoridades e a cúpula da PM permeou o encontro, que teve início com um minuto de silêncio em homenagem às vítimas da guerra na comunidade, entre elas policiais militares e o menino Eduardo de Jesus Ferreira, 10 anos.


Houve choro, depoimentos emocionados, denúncias sobre a implantação de “toque de recolher branco”, reclamações sobre a saída de oficiais comprometidos com a população — que estiveram à frente das UPPs no começo do projeto — e críticas ao belicismo da corporação. A maneira como se faz a abordagem de moradores, com xingamentos e até tapas na cara, foi citada em ao menos três depoimentos. Segundo eles, as ameaças são constantes. Houve relatos até de policiais do Bope agredindo PMs de UPPs com tapas na cara, como denunciou a moradora Mariluce Souza.

“Nos últimos anos, o Alemão tem recebido muita polícia e arma. Em vez disso, precisamos de mais programas sociais”, pediu Lúcia Cabral, da ONG Educap. O produtor cultural Helcimar Lopes lamentou a sucessão de proibições de eventos no complexo. Ele foi o primeiro a falar do toque de recolher. “Chegaram a dizer que o teleférico iria fechar”, disse. Eduardo Alves, diretor do Observatório de Favelas, na Maré, lembrou que “não se alcança a paz com ações policiais que tirem as pessoas das ruas.” O coronel Robson Rodrigues, chefe do Estado-Maior da PM, anotava tudo, acompanhado por outros oficiais — todos desarmados.

Junior Perim, do Circo Crescer e Viver, levantou a plateia ao sugerir que o governador Luiz Fernando Pezão montasse um gabinete de crise no Alemão, em vez “de entregá-lo ao Beltrame (secretário de Segurança).” Átila Roque, diretor da Anistia Internacional no Rio, também citou o governador: “Peça perdão pela morte de Eduardo”, sugeriu. E reclamou da nota oficial da presidenta Dilma Rousseff. “Foi pífia.”

Pressionado, o coronel Robson Rodrigues admitiu que a PM não é uma “força monolítica”, numa referência à disputa interna na corporação, entre correntes que defendem o policiamento de proximidade e o confronto. “A PM aceitou o convite para fazer esta guerra há 30, 40 anos, e agora estamos lutando para mudar isso. Mas não é fácil mudar esta cultura”, reconheceu Robson. “Acredito em muitas dores e propostas aqui expostas. Ninguém mais tolera tanta violência no Brasil.”

‘Como é possível paz com fuzil?’

Tempo e espaço reduzidos não impediram que lágrimas fossem derramadas. Durante a fala de Pehkx Jones, subsecretário de Educação, Valorização e Prevenção, ligado à Secretaria Estadual de Segurança, a moradora Mariluce Souza não conteve a revolta. Olhos marejados, consternada, disse que não queria ver seu filho assassinado. E pôs em xeque as medidas do governo. “Como é possível fazer paz com fuzil?”, questionou.

Emocionada, exigiu respostas do Estado e afirmou que direitos constitucionais só são garantidos para quem não mora na favela. Tanto ela quanto o marido, Kléber Araújo, lembraram reunião em um contêiner com o governador do Rio, dentro do Complexo do Alemão, em que Pezão chegou a pedir a mediação dos moradores para que a paz na comunidade fosse restabelecida.

A moradora foi enfática ao contestar se o pacto firmado com o governador incluía disparos de policiais na cabeça de crianças de dez anos. Para Kléber, inclusive, “o problema do Alemão não é o tráfico, porque o tráfico não tem compromisso com a vida na comunidade”, ressaltou.

Kléber interpela Pehkx Jones%2C da Secretaria de Segurança%3A 'Destruiram o projeto'Fernando Souza / Agência O Dia

Presidente de associação critica desmonte do projeto inicial das UPPs

Presidente da Associação de Moradores da Palmeiras, Marcos Valério Alves fez o mais contundente depoimento no encontro. Emocionado, tomou a palavra e criticou o comportamento dos policiais que ocupam o Alemão. “Você se lembram daquele menino que andava sempre com o policial Sérgio, um homem honesto que pensava na comunidade, e que era um exemplo? Pois bem: vocês tiraram o policial de lá, destruíram o trabalho dele, e o garoto hoje está no tráfico!”, disparou.

Dizendo-se ameaçado, certo de que será a próxima vítima de uma “bala achada”, denunciou que Uanderson Manuel da Silva, comandante da UPP Nova Brasília assassinado em 11 de setembro, foi vítima de fogo amigo por não aceitar suborno. “Eu sei que vou morrer, estou pedido.”

Segundo ele, o último comandante sério que o Complexo do Alemão teve foi o Major Paiva. “Precisamos de policiais comprometidos com o morro, que protejam o morador. Hoje, o Capitão Rodrigues, que esteve conosco, está na Mangueira e tem guerra de facções lá. Mas você não ouve relato de moradores feridos.”

Ele citou que agentes da UPP invadiram a sede do projeto social que administrava na Nova Brasília, destruíram tudo e levaram seus documentos. “Em um mês foram 45 policiais afastados por desvio de conduta no começo da UPP. Quantos são hoje?”, questionou.

Por fim, afirmou que o complexo é controlado por três poderes: a UPP, o Comando Vemelho e policiais corruptos. “Temos uma milícia lá: Precisamos da limpeza ética.” Presidente da Associação de Moradores da Fazendinha, Francisco de Arimateia de Lima lamentou o fato da favela ser conhecida pela violência. “É muito ruim.”

Cano defende a retirada

Do Laboratório de Análises da Violência da Uerj, o docente Ignácio Cano defendeu que, hoje, “não há interlocução entre Polícia Militar e a população do Complexo do Alemão”. Para ele, enquanto são discutidas alternativas, o Executivo fala em reocupação. “É necessário recuar”, afirmou o professor. Cano disse, ainda, que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) significaram uma possibilidade de deixar o legado da guerra para trás, mas considerou a ocupação no Alemão um fracasso. “As mortes se tornaram corriqueiras”, ressaltou o professor.

‘Quero cultura, não polícia’

Coordenador do Coletivo Papo Reto, Raull Santiago foi enfático durante o fórum: “Pedimos serviços básicos e o Pezão entende polícia; pedimos cultura e ele entende polícia. As escolas estão sendo zonas de conflito por causa da polícia e o governador coloca mais policiais no morro”, reclamou.

Raull denunciou postagem numa página de rede social em que os agentes da unidade teriam escrito ‘É tudo nosso’. “Se sentem donos da favela?”, criticou, mostrando a postagem. Ele ainda reproduziu o áudio do filho de Elizabeth Francisco, morta dentro de casa por bala perdida. Nele, percebe-se o desespero do jovem por ser dia 1º de abril, revelado no pânico para que acreditassem nele.

Raull disse ainda que a PM desconta nos moradores um ódio que deveria ser direcionado ao governo. “O policial deveria ser o primeiro revoltado com o quem colocou eles naqueles buracos sujos (cabines da UPP).” Para Alan Brum, do Raízes em Movimento, as denúncias são extensas: “Tem uma viatura na calçada há anos que atrapalha a passagem das crianças da escola. Já pedimos para chegar para o lado, mas nunca saem.” Alan exigiu a imediata devolução de todas as áreas de lazer da favela transformadas em bases policiais.

“Gratidão eterna pela mediação”
Por André Balocco

“Mediar um encontro em que estiveram frente a frente correntes distintas, e distantes, mexeu comigo. Desde o dia em que a ideia foi aceita pelos parceiros Sílvia Ramos, do Cesec, e Pedro Strozenberg, do Iser, até o abraço em Junior Perim na entrada do Viva Rio, quando senti o astral positivo, foi uma intensa semana de telefonemas, zap-zaps, tensão e, principalmente, gratidão. Sim, porque não há outra palavra que defina a mágica que nos uniu ali. A mim só resta agradecer pela chance. E vamos em frente!"

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