Rio - Alvo recente de discórdia entre dois estados, depois que São Paulo anunciou a intenção de captar água de seus reservatórios, o Rio Paraíba do Sul enfrenta neste inverno a pior seca dos últimos 80 anos. Em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, o nível das águas está 40 centímetros abaixo do que é considerado normal nesta época do ano – de 5,20 metros chegou a 4,80 metros. Embora ainda não haja risco de desabastecimento no consumo doméstico e industrial, a situação preocupa autoridades e traz prejuízos, principalmente a pescadores e produtores rurais.
“Esta estiagem é a pior já registrada no Paraíba do Sul desde 1931, quando se iniciou o monitoramento continuado das águas da bacia. Isso é inédito e preocupante”, confirma o secretário estadual de Ambiente, Carlos Portinho. Para o secretário do Meio Ambiente de Campos, Zacarias Albuquerque, o índice é recorde e a situação, alarmante. Segundo ele, o rio entrou no nível de baixa antes mesmo do início do inverno. “Esse quadro deve ser levado em consideração quando se pensa em qualquer projeto de transposição das águas do Rio Paraíba, como o que pensa o governo do estado de São Paulo”, alertou.
A preocupação é ainda maior por parte de quem depende do rio. Jorge Carvalho, presidente da Associação de Pescadores do Paraíba do Sul, disse que o rio já não tem mais peixes e por isso muitos estão precisando buscar outras fontes alternativas de renda. “Hoje em dia o Paraíba virou uma piscina, não tem peixe mais. Os pescadores estão tendo que fazer outra coisa. Alguns já viraram até ajudante de pedreiro. Eu pesco há mais de 30 anos e nunca vi essa situação. A gente precisa do nosso ganha-pão de volta”, completou.
A região do Baixo Paraíba, no Norte Fluminense, é um berçário natural de reprodução das espécies, principalmente de peixes. Com a estiagem, os berçários estão secos e os canais, assoreados. “Há dois anos a região já não tem a piracema (período de desova dos peixes). Não tem peixe nem na caixa do Paraíba, nem no berçário. Nessa época também é comum ter bastante vento por aqui, aí piora a situação, porque quanto mais ventar, mais vai secar”, explicou Carvalho.
Para minimizar o problema, a Secretaria Municipal de Defesa Civil instalou ontem duas bombas, adaptadas sobre uma balsa, embaixo do viaduto da cidade, para irrigar água para o Canal Campos-Macaé e, consequentemente, para o Canal de Tocos e os demais canais secundários e terciários da Baixada Campista, para atender aos produtores rurais daquela região. As bombas, que têm capacidade para jorrar 1.400 litros por minuto, ficarão no local até o nível do rio atingir a cota de sete metros, o que está previsto para o mês de novembro.
O rio, que nasce ao sul da Serra da Bocaina e Mantiqueira, no estado de São Paulo, percorre 1.137 quilômetros e deságua no rio Paraitinga. Campos é uma das 184 cidades banhadas pelo rio, o mais importante do estado, responsável por abastecer 12,4 milhões de habitantes, em 17 municípios.
Concessionária diz que não faltará água nas torneiras
Apesar de o Paraíba estar abaixo das médias históricas, a concessionária Águas do Paraíba, que abastece Campos, garante que não há risco de faltar água nas torneiras dos 400 mil consumidores do município. A empresa informou que a captação de água é feita a um metro e meio de profundidade do leito do rio. Já a Secretaria de Estado do Ambiente também informou que até o momento não há registros de racionamento de água tratada, distribuída aos consumidores domésticos, nem impactos aos processos industriais de usuários dos rios Paraíba do Sul e Guandu.
Segundo Carlos Portinho, a Bacia do Paraíba é uma das mais ‘regularizadas’ do país, ou seja, tem mais capacidade de adaptar-se às secas sazonais por ter vários reservatórios de regularização de água. O secretário explicou que o problema é observado em toda a extensão da bacia que, em território fluminense, se estende desde Itatiaia, na divisa com São Paulo, até a foz do rio, em São João da Barra. “Por essa razão, o nível do Paraíba está muito baixo, principalmente em função dos baixos níveis dos seus afluentes (os rios Paraibuna, Piabanha, Dois Rios, Muriaé e Pomba)”, disse.
Produtores contabilizam as perdas
A Secretaria de Agricultura de Campos estima redução de 20% na atividade canavieira, que responde por 60% da produção de cana-de-açúcar do estado, que é de 1,8 toneladas. “Estamos sofrendo uma queda de safra bem negativa. Tivemos uma perda considerável na produção, além do baixo teor de sacarose da cana”, explicou o secretário Eduardo Crespo. Os prejuízos passam de R$ 4 milhões.
Na pecuária de corte, as perdas chegam a R$ 20 milhões, considerando a redução média de 20% a 25% no ganho de peso animal, estimada pela Emater-Rio. Já na pecuária leiteira, com 200 mil cabeças de gado, a queda é de 25%, porque os capins secaram sem chuva.
“Alguns criadores estão vendendo seus animais. Outros, compram ração para garantir o ganho de peso. Muitos não querem gerar mais custo e acabam perdendo seus animais”, disse o secretário. Segundo ele, a estiagem desse ano foi histórica. “Ficamos de dezembro a março sem chuva nenhuma. Isso sem falar na praga do lagarto que atacou as lavouras.”
Solução só quando chegar o verão, diz Defesa Civil
Para o secretário de Defesa Civil de Campos, Henrique Oliveira, não há nada que possa ser feito para evitar a seca, a não ser esperar a chegada do verão, estação do ano em que o rio se normaliza. “O início da fase mais crítica do problema, este ano, foi no verão, quando não houve chuva. A salvação é que o Paraíba do Sul recebe água Rio Muriaé. Se não fosse isso, hoje estaria totalmente seco”.
Enquanto espera pelas chuvas de verão, os níveis e a qualidade da água do Paraíba vêm sendo monitorados pelo Inea (Instituto Estadual do Ambiente), como parte de um plano montado em abril para evitar que a escassez de água afete os usuários da Bacia do Rio Paraíba do Sul. A medida faz parte das ações acordadas pelo estado junto à Agência Nacional de Águas (ANA) e representantes de São Paulo e Minas Gerais.