Rio - A velocidade cada vez maior com que o mar avança e destrói construções no litoral de São João da Barra, Norte Fluminense, pode ter relação direta com a estiagem que assola o Rio Paraíba do Sul no estado. Dados da Defesa Civil do município apontam que nos últimos quatro meses, o mar avançou cerca de oito metros nos distritos de Atafona e Açu. O fenômeno acontece desde a década de 1970, mas está se agravando na cidade onde o Paraíba do Sul deságua e o nível do rio já chega a 2,20 metros — o normal seria 4,8m. Um quarteirão, 15 ruas e cerca de 500 casas já desapareceram do mapa.
De acordo com o oceanógrafo David Zee, o rio funciona como um espigão hídrico enfrentando as ondas. Quando sua vazão diminui, o equilíbrio de força com o mar acaba. Ele explica que o litoral tem muitos sedimentos de areia e argila. Com o rio baixo, o carregamento desses detritos diminui e, com isso, há um menor aporte de água doce. “Todo o material se acumula na embocadura do Paraíba do Sul. O mar, então, passa a atuar com mais intensidade. O equilíbrio de forças que existia antes está acabando. O ciclo hídrico está todo desbalanceado”, ressaltou o oceanógrafo.
Duas famílias tiveram que deixar suas casas na última semana, em Atafona, porque corriam risco de morte. “As pessoas moravam em frente à praia e a onda estava alcançando as residências. O mar está impróprio para banho por causa dos escombros”, disse o sub-coordenador de Defesa Civil do município, Wellington Barreto.
Ex-moradora de Atafona, a professora Vera Lúcia Fernandes, 52 anos, teve que se mudar há dois meses para a casa da irmã, em Campos dos Goytacazes, por causa do avanço do mar. “Tive que sair com meus dois filhos porque me sentia ameaçada. Fiquei triste porque sempre morei em São João da Barra, mas não tive condições de ficar. Não tenho dinheiro para comprar outra casa. Infelizmente não podemos fazer nada contra a natureza”, lamentou.
O prefeito José Amaro de Souza, o Neco, pediu um estudo para o Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH) e espera receber conclusão até o próximo mês, já com os números e custos de todo o projeto, que inclui Atafona. Já para o Açu, a prefeitura solicitou à empresa Prumo Logística, responsável pelo porto, que custeasse o estudo junto ao mesmo instituto.
Cenário de destruição
Quem passa por Atafona e Açu pode perceber os entulhos que chamam a atenção à beira-mar. São dezenas de casas destruídas. No Açu, uma área equivalente a três campos de futebol foi levada pelo mar. “Várias pessoas abandonaram suas casas antes mesmo de a Defesa Civil interditar. A situação é preocupante porque o mar não para de avançar”, disse.
Moradora do Açu, a aposentada Gracilda Francisca do Nascimento, 71, relembra a orla antes de tudo começar. “Aqui havia barracas, cadeiras e bares. Meu medo é a água do mar destruir tudo”, disse. Já a freira Nanci de Azeredo fez fotos dos estragos. “Aquela casa (foto) caiu na sexta-feira (dia 20). As pessoas estão em estado de alerta. Há muitas casas interditadas. O mangue que tinha em Atafona não existe mais”, disse.
Porto do Açu nega ligação a fenômeno
Para o pesquisador do Núcleo de Estudos Socioambientais da UFF, Aristides Soffiati, as obras do Porto do Açu agravaram a situação. “A empresa fez dois espigões. Abriu um canal no continente para fazer um estaleiro e criou dois prolongamentos de pedra”. Com isso, a água passa, mas a areia fica e causa o engordamento da praia. “O mar está perdendo areia. Não encontra mais a resistência da praia”.
A Prumo, responsável pelo porto, contratou a Fundação Coppetec para realizar um estudo e diz que o resultado indicou ser inviável associar o estreitamento da faixa de areia às obras do porto.