Rio - O espectro da corrupção e do favorecimento político ronda alguns municípios do Rio e revela ligações obscuras de prefeitos com vereadores e empresas. Dois dias após Luciano Mota (ex-PSDB) perder o mandato em Itaguaí, na vizinha Seropédica Alcir Fernando Martinazzo (sem partido) foi cassado por oito votos a dois na sessão de ontem. Em comum, Mota e Martinazzo tinham um hábito: pagar por colaboradores que não apareciam para trabalhar.
Em Itaguaí, Weslei Pereira (ex-PT, com um pé no PSB), o vice que se tornou prefeito em exercício há três meses e foi efetivado há dois dias, encontrou 410 funcionários fantasmas e mais 226 “encostos”, que só apareciam na folha de pagamento, mas nunca foram nomeados para qualquer cargo, em qualquer secretaria. Em Seropédica, o número de fantasmas ainda não foi contabilizado.
Em Mangaratiba, o Ministério Público prevê que pelo menos 100 dos 1,4 mil contratados irregularmente pelo ex-prefeito Evandro Bertino Jorge, o Capixaba (PSD), também só frequentem a folha de pagamento. E foram indicados justamente por aqueles eleitos para fiscalizar as contas do prefeito: os vereadores, que usavam os cargos para empregar parentes.
O forte esquema de corrupção montado nas prefeituras também assusta (e revolta) a população de vários municípios. São serviços superfaturados, sem licitação ou para favorecer empresas. Em Silva Jardim, o MP pediu o afastamento do prefeito Wanderson Gimenes Alexandre (PRB) após descobrir um pregão com “cartas marcadas”.
Já em Itaguaí, o ex-prefeito ‘playboy’, mais conhecido por passear de helicóptero e Ferrari que por sua gestão, também gostava de contratar obras fantasmas. “Milhões e milhões eram pagos a empresas que não prestavam serviços”, diz Weslei. Em Teresópolis, o MP investiga as ligações entre o prefeito Arlei Rosa (PMDB) e seus aliados na Câmara. Sete comissões processantes abertas para investigar irregularidades em sua gestão já foram arquivadas este ano.
Em Mangaratiba, até defundo era nomeado com salário de R$ 2,5 mil
Na caçada aos funcionários fantasmas da Prefeitura de Mangaratiba, o Ministério Público já identificou pelo menos um que está além da vida. Mesmo morta, uma senhora foi nomeada na Secretaria Municipal de Turismo no final de 2014, com salário de R$ 2.500. As informações constam de procedimento que investiga 100 nomes de contratados na gestão do ex-prefeito Evandro Bertino Jorge, o Evandro Capixaba (PSD), cassado mês passado por 10 votos a um. O grupo teria conquistado os cargos por indicação de vereadores. Os 11 políticos são suspeitos de integrar o esquema de corrupção montado por Capixaba, preso sob a acusação de fraudar contratos de licitação.
Como O DIA publicou com exclusividade quinta-feira, o vereador José Maria de Pinho, o Zé Maria, do PSB, revelou ao MP que recebia R$ 10 mil em dinheiro por mês. E mais R$ 10 mil pelas nomeações de pai, mulher, irmão e mais três pessoas. O presidente do Conselho de Ética da Câmara, José Luiz Figueiredo Freijanes, o José Luiz do Posto, abriu uma sindicância. Todos os parlamentares foram convocados para prestar esclarecimento segunda-feira, a partir das 10h.
Em nota, o vereador Alan Campos da Costa, o Alan Bombeiro (SDD), informou que não recebeu propina em troca de apoio político ao ex-prefeito. Ressaltou ainda que era oposição ao governo. “Não há problema algum futuramente ser interrogado pelo MP. Quem não deve, não teme”, afirmou.
Segundo depoimento de Zé Maria, o ‘homem da mala’ era o vereador Pedro Capixaba, sobrinho do prefeito cassado Evandro Capixaba. Pedro teria pago pessoalmente a Zé Maria R$ 80 mil em dinheiro. Pedro nega as acusações. O salário de um vereador é de R$ 7.515,88 por mês, com direito a mais R$ 8 mil para a contratação de pessoal. Eles ainda recebem mais R$ 4.400 por mês, para participar de congressos. Em abril, o MP denunciou Evandro Capixaba e mais 43 por fraudes em licitações de contratos avaliados em R$ 10 milhões. Eles respondem por formação de quadrilha, falsificação de documentos e coação a testemunhas.
Auxiliar de cozinha distribuía material de propaganda de prefeito cassado
Após duas horas de sessão, os vereadores de Seropédica aprovaram o relatório final da Comissão Processante, instalada em fevereiro, que constatou a contratação de funcionários fantasmas e a apropriação indébita pelo não recolhimento de INSS dos funcionários da Prefeitura e da Câmara. A ausência de resposta aos requerimentos enviados pela Casa à prefeitura, entre eles documentos referentes às licitações, também foi um dos motivos do impeachment de Alcir Fernando Martinazzo (sem partido).
Entre os fantasmas encontrados na investigação, estava o funcionário Angelo de Souza de Almeida, contratado em junho do ano passado para ser auxiliar de cozinha na Secretaria de Serviços Públicos. Segundo o relatório da Comissão, ele só exerceu a função por um mês, quando foi colocado à disposição “para distribuir esporadicamente material de propaganda da administração e pessoal do prefeito.”
Aproximadamente 200 pessoas acompanharam a sessão. Martinazzo não compareceu. O procurador geral de Seropédica, Harley Siquara, negou as acusações e informou que Martinazzo recorrerá da decisão até terça-feira. “Não nos deram direito de defesa”, alegou. O vereador Oscar José (SDD) contestou a decisão por acreditar que “não havia elementos suficientes para a cassação”. Já o o relator Ball da Farmácia (PT) comemorou: “O Martinazzo achava que nunca seria cassado. A cidade estava abandonada e cheia de problemas. Foi uma vitória.”
Após a votação, com direito a queima de fogos, aconteceu a cerimônia de posse do presidente da Câmara, Wagner de Oliveira, o Waguinho do Emiliano (PRB). Ele assumiu a prefeitura porque o substituto de Martinazzo, o vice-prefeito Zealdo Amaral, morreu em setembro do ano passado, vítima de infarto fulminante. Ainda ontem, em seu primeiro ato como prefeito, Waguinho proibiu o abastecimento de veículos e a retirada de documentos e equipamentos das secretarias e demais órgãos do governo.
Ao DIA, admitiu não ter conhecimento de como andam as finanças, nem a estrutura administrativa da prefeitura. “Faremos uma auditoria. É tudo muito novo para mim”. Vice-presidente da Câmara, Oscar José de Souza (PSB) assumirá a vaga deixada por Waguinho.
Em Silva Jardim, prefeito pagou por evento que nunca foi feito, segundo MP
A fraude em uma licitação no valor de R$ 20 milhões feita pela Prefeitura de Silva Jardim, denunciada pelo Ministério Público, que pediu o afastamento do prefeito Wanderson Gimenes Alexandre (PRB), como publicado no DIA de ontem, é apenas uma das várias investigações do MP contra o Poder Executivo municipal. Na semana que vem, o MP deverá entrar com uma ação civil pública também de improbidade administrativa por um evento de motocross pago pela prefeitura, mas não realizado, no valor de R$ 50.720.
Em outra denúncia contra Wanderson, o MP também identificou a contratação irregular pela prefeitura de uma empresa de fachada que seria responsável por publicar os atos oficiais do Executivo. Teriam sido identificados repasses do valor por parte da empresa para a Secretaria de Comunicação Social, no ano passado. No último dia 30, a Promotoria de Justiça de Silva Jardim também ganhou liminar na Justiça contra o prefeito em que o impedia de fazer novas contratações de terceirizados na área de educação.
Segundo a promotoria, pelo menos um terço dos funcionários da prefeitura hoje são terceirizados. Na decisão, a juíza Juliana Cardoso de Barros, da Comarca de Silva Jardim, determinou que a prefeitura não poderá fazer novas contratações temporárias de profissionais vinculados à rede municipal de educação, sob pena de R$ 10 mil, e que realize concursos públicos.
O vereador Hélio Alfradique da Cunha Júnior (PSD) também denunciou o prefeito pela construção de uma ponte supostamente feita em uma propriedade particular. Júnior afirmou ontem que também irá entrar com pedido de CPI na Câmara para investigar a licitação fraudulenta de R$ 20 milhões, segundo o MP, em que a empresa General Contractor teria vencido. “Isso é terrível para o município, que passa por muitas dificuldades, principalmente na saúde e educação”, disse. Ontem a empresa mandou nota para O DIA negando que tenha sido beneficiada pelo contrato, que foi rescindido. Hélio é um dos dois únicos vereadores de oposição da Câmara de Silva Jardim, que tem nove cadeiras.
Reportagem de Adriana Cruz, Constança Rezende, Felipe Carvalho e Rosayne Macedo